Mesmo com a força de Oscar Isaac no papel principal, em uma história contida e em grande parte desligada do Universo Cinematográfico da Marvel, série não consegue ser extraordinária, apesar de tentar.
Imagine a promessa de um presente. A possibilidade de, em uma ocasião especial, receber algo único e incrível, que vai te deixar nas alturas. Você espera por aquilo ansiosamente, se prepara para abrir o embrulho, e quando abre… é apenas mais um par de meias. Ok, não são meias brancas e sim enfeitadas com detalhes chamativos, diferente das que você já tem. Mas ainda assim, meias. Esse é o mau de “Cavaleiro da Lua”, a nova série Marvel Studios para o Disney Plus, que continua provando o ponto de que o estúdio não só segue constantemente desperdiçando o potencial que sempre aparenta ter, como também é incapaz de produzir uma narrativa seriada.
Para apresentar um novo personagem ao cânone cinematográfico que já se estende por 14 anos, a Marvel recrutou ninguém menos que Oscar Isaac, retornando ao gênero de super-heróis depois do sofrimento de “X-Men: Apocalipse”. Após também se libertar (ao menos por enquanto) da franquia “Star Wars”, o ator garantiu que seu envolvimento com o MCU seria pontual, sem a necessidade de vender sua alma a Kevin Feige. Dessa forma, supôs-se — e assim foi prometido — que “Cavaleiro da Lua” seria uma minissérie, uma história contida, que poderia ou não ter importância para o futuro deste universo. E não é que isso de fato aconteceu? Por que, então, a série falhou em aproveitar seu potencial único?
A trama segue Steven Grant, que leva uma vida simples como funcionário de um museu em Londres, mas é atormentado com apagões e sonhos estranhos. Ele, na verdade, sofre de transtorno dissociativo de identidade, e descobre ter uma outra personalidade, de nome Marc Spector, que vive toda uma vida paralela. Ao mesmo tempo, o corpo dos dois é o avatar de Khonshu (voz de F. Murray Abraham), deus egípcio da Lua, que precisa do humano para levar justiça (ou vingança) aos malfeitores. Simples o suficiente. O ótimo episódio de introdução cumpre o trabalho de apresentar esses conceitos e deixar o espectador intrigado sobre a dualidade entre Steven/Marc, deixando várias perguntas no ar sobre a verdadeira natureza das personalidades, assim como da própria entidade do Cavaleiro da Lua.
Os dois episódios seguintes acabam perdendo o impacto, por vezes exagerando no relacionamento confuso entre Steven e Marc, e por outras sendo sutil demais quanto ao efeito da doença mental em ambos. A mitologia egípcia assume o centro das atenções, com a figura do vilão Arthur Harrow em busca da tumba de Ammit, a Devoradora de Corações, que pune todos pelas maldades cometidas em vida, seja no passado ou no futuro ainda não vivido. O excêntrico personagem, interpretado por um Ethan Hawke pouco inspirado, deseja libertar a entidade para que toda a humanidade seja julgada, uma motivação nada elaborada, mas que remete aos tempos antigos em que vilões poderiam ser só maus, e tudo bem. Não é um problema. O problema real recai sobre como isso se relaciona com Steven/Marc, e como, para os dois, o verdadeiro vilão parece ser Khonshu.
O deus da Lua, que provê os protagonistas com poderes e proteção, é na verdade o responsável por grande parte de seu sofrimento e, a nível narrativo, o que mais prejudica a série. Quando a história se livra temporariamente do “old bird”, o potencial sugere que será atingido, no intrigante episódio 4 e no excelente episódio 5. Neles, Steven/Marc vão parar em uma espécie de plano astral em que podem explorar suas próprias memórias, tendo a chance de entender por que eles existem como dois, e o que isso significa. Oscar Isaac, que constantemente já se provava como o melhor que a série tinha a oferecer, aqui compete fácil por uma indicação ao Emmy, ao oferecer nuances tão delicadas e impactantes a dois personagens diferentes. Os mistérios de seu passado são pouco a pouco revelados, trazendo uma forte carga emocional ao seu transtorno, e ao mesmo tempo colocando em cheque a realidade que até então nos havia sido apresentada. Uma pena que ambos estes elementos sejam logo deixados de lado em prol de uma conclusão igual a qualquer outra no universo de heróis.
Na verdade, o finale de “Cavaleiro da Lua” não é nem corajoso o suficiente para se livrar da dúvida “o que é real?”, para assim manter a ilusão de que o potencial tão prometido ainda pode existir na imaginação dos fãs. Seu episódio final aposta no feijão com arroz da Marvel sem necessidade, visto que a série nem ao menos se encaixa na cronologia do MCU de alguma forma, e poderia, por este mesmo motivo, se libertar das amarras narrativas deste universo. Deuses egípcios, dupla personalidade, memórias distorcidas, realidades inventadas… Promessas, promessas.
Porém, há de se elogiar sim a viagem ao Egito que a série proporcionou. Sem nunca de fato ter viajado até o país — com filmagens na Jordânia, Hungria, Eslovênia e Londres —, a produção conseguiu manter uma identidade fiel à cultura representada justamente pela equipe envolvida, liderada por Mohamed Diab, o primeiro diretor egípcio a trabalhar no MCU. Ele, que apareceu em headlines até mesmo antes da estreia da obra, criticando a forma como sua nação tem sido retratada por Hollywood, tinha como objetivo mostrar outras cores do Egito, trazendo a atmosfera cosmopolita do Cairo e deixando de lado o tom laranja que costuma surgir na fotografia toda vez que uma história sai dos países de língua inglesa.
Diab também recrutou o compositor Hesham Nazih, já consagrado no Egito, e que em sua estreia em Hollywood faz um excelente trabalho em uma trilha sonora que não peca em nada. Elementos árabes e egípcios se unem a sintetizadores experimentais e aos instrumentos de sopro já tão reconhecidos em obras de super-heróis, formando um amálgama de tirar o fôlego. A série também conta com o editor Ahmed Hafez e a atriz May Calamawy, que interpreta Layla, uma das personagens principais, e a inclusão se estende para mais outros vários membros da equipe e elenco, garantindo autenticidade à obra.
Entre erros e acertos, a balança de “Cavaleiro da Lua” pode até se equilibrar, mas infelizmente a promessa de algo excepcional e o que de fato foi entregue acaba por deixar um gosto amargo na boca — novamente. Talvez se as pessoas envolvidas parassem de reforçar quão incríveis e diferentes de tudo que já foi visto suas obras são, e focassem em entregar algo que realmente faça jus a palavras tão sempre hiperbólicas, o universo Marvel estaria repleto de obras-primas. Quem sabe na próxima? [repita esse mantra na próxima, na próxima, e na próxima…].