História da criação da agência de espionagem fica de lado para dar espaço a uma trama de politicagem que se leva a sério demais e um arco sobre confiança entre pai e filho.
Em 2014, “Kingsman: Serviço Secreto” surpreendeu com cenas de ação de cair o queixo e excelente timing de comédia. Porém, três anos depois, “Kingsman: O Círculo Dourado” não convenceu após uma overdose de subtramas. Tentando fazer as pazes com sua principal franquia, o diretor Matthew Vaughn decide seguir um outro caminho: apresentar a fundação da primeira agência de inteligência independente em “King’s Man: A Origem”. Desta vez, o cineasta divide o roteiro com Karl Gajdusek (“Oblivion”), e aposta em um excelente elenco para uma obra sobre elementos históricos e movimentos políticos.
A trama começa em 1902 na África do Sul colonizada. O Duque de Oxford (Ralph Fiennes), sua esposa Emily (Alexandra Maria Lara) e seu filho viajam em nome da Cruz Vermelha para entregar suprimentos para um campo de concentração. Um atirador aparece para matar o general encarregado do local, porém a bala atinge Emily. Shola (Djimon Hounsou), guarda-costas da família, nada pode fazer. Alguns anos depois, o Duque se transformou em um pai superprotetor, que não deixa o filho Conrad (Harris Dickinson) explorar o mundo por receio sobre a sua segurança.
Em meio a essa lacuna de confiança entre pai e filho, um misterioso vilão reúne Rasputin (Rhys Ifans), Mata Hari (Valerie Pachner), Erik Jan Hanussen (Daniel Brühl) e diversos outros criminosos para um plano de dominação territorial envolvendo ficção e a história da Primeira Guerra Mundial, como o assassinato de Francisco Ferdinando, arquiduque da Áustria, e a pressão política que envolveu laços familiares por toda a Europa — o kaiser Guilherme II, o czar Nicolau II e o rei britânico George V (todos interpretados por Tom Hollander) eram primos-irmãos e todos faziam parte da família da rainha Vitória.
Fica a impressão de que o diretor não decidiu se a obra direciona os seus olhares sobre política, espionagem, guerra, drama ou comédia, muito porque o filme é um pouco de tudo isso e, ao mesmo tempo, não tem um gênero definido. Outra questão que incomoda é o fato da identidade do principal vilão ser um spoiler, revelada apenas no terceiro ato. Isso faz com que ele apareça apenas nas sombras, atuando somente por voz em algumas oportunidades, criando uma estética de vilão da Disney sem nenhuma camada além da pura maldade — sem falar que o plot twist também não surpreende.
A confiança é um tema que serve tanto para o lado dos protagonistas quanto para os vilões. O pai não acredita que o filho está pronto para se proteger sozinho, enquanto o vilão precisa da lealdade dos seus parceiros para que o plano seja realizado. A insistência neste tema leva o desenvolvimento de Conrad a um lugar repetitivo, como um disco arranhado sempre com a mesma argumentação de querer se provar útil para seu país e conquistar a confiança de seu pai com ações. Fiennes apresenta exatamente o que se espera dele e do personagem, uma etiqueta inglesa ímpar, politicagem e requinte. Shola e Polly (Gemma Arterton), que formaram uma rede de domésticos ao redor de todo o mundo e que auxiliam o protagonista, atuam como sidekicks para a jornada, uma boa inclusão para não focar apenas na trama entre pai e filho.
As cenas de ação são poucas e boas, deixando o questionamento sobre o motivo pelo qual o diretor não apostou mais nelas. O filme se leva a sério por tempo demais, tanto que as curtas aparições do Rasputin parecem destacadas de uma outra obra. Rhys Ifans apresenta o místico russo excessivamente caricato, o que faz falta por aqui. A cena de luta entre Shola e Rasputin, que conta com uma coreografia de dança escondida em um confronto, é a cara do diretor, muito criativa e bem filmada com um acompanhamento de câmera dinâmico e uma trilha que encaixa bem com a ação.
A obra tem um ritmo rápido, muito por conta da montagem criativa, com ótimas transições entre cenas e um estilo muito autoral de Vaughn de captar planos-detalhe. Mesmo assim, fica evidente que o filme tem uma barriga e poderia ter uma menor duração. “King’s Man: A Origem” tinha tudo pra ser um spin-off notável para a franquia, mas ficou preso na indecisão do seu diretor de apresentar tudo em um filme que não era necessário. A ficção histórica enriquece sim o roteiro, mas não direciona o foco para a criação da Kingsman, o argumento definitivo para a existência do longa-metragem. É uma pena ver um material de tanta qualidade se perder aos poucos.