Ao longo de três temporadas, a série se prova ótima em ficção científica, e excelente em dinâmicas familiares.
Na década de 1960, existiu uma série sobre a família Robinson, que sai da Terra em busca da colonização do planeta Alpha Centauri. Foi uma obra com bom sucesso e que marcou uma legião de fãs. Muitos anos depois, a Netflix resgatou essa premissa e trouxe uma versão do século XXI sobre essa missão, que sofre contratempos e deixa os tripulantes “Perdidos no Espaço”.
Além dos cinco Robinsons, o núcleo principal conta com o mecânico Don West (Ignacio Serricchio) e a passageira clandestina que adota o nome de Dra. Smith (Parker Posey). Claro que não pode faltar a presença do icônico Robô (Brian Steele), que cria um forte laço com o jovem Will Robinson (Maxwell Jenkins). Robô, aliás, que aparece quando as várias famílias – os Robinsons não são os únicos a caminho do novo lar – são atacadas por robôs alienígenas, forçando-as a arriscadas aterrisagens em um planeta desconhecido e com poucos recursos. Aqui é onde a série começa a mostrar a que veio.
Apesar da sinopse, o que faz “Perdidos no Espaço” brilhar não são os (bons) elementos de ficção-científica, mas a dinâmica familiar, que revela uma obra dramática o bastante para envolver o espectador sem cair para melodrama exagerado. Os Robinsons claramente se amam, mas possuem algumas barreiras psicológicas causadas pelos próprios, além de outros quesitos que influenciam em como interagem. A mãe, Maureen (Molly Parker), é uma engenheira brilhante; o pai é militar, e até a missão, era muito ausente por causa do trabalho, algo que enfraqueceu o casamento e o distanciou dos filhos, levando-o a sentimentos de culpa. Will tem aptidão para a matemática e ganha enorme importância para o futuro de todos quando resgata e conquista a amizade do Robô. Judy (Taylor Russell), a filha mais velha, tem grande conhecimento de medicina e precisa se provar valorosa o bastante para liderar sempre que necessário. Sua constante busca por aprovação a coloca sob enorme pressão, falhar não é uma opção (pense na Luisa, de “Encanto”)
O grupo se completa com Penny (Mina Sundwall), talentosa escritora que duvida de sua própria capacidade. O que conquista de vez é que todas essas dificuldades nascem de dentro da própria família, e o roteiro inteligentemente costura tudo de forma a ilustrar que nada vem de más intenções, e que são apenas pessoas tentando fazer o seu melhor para as que amam. Ao longo das três temporadas, acompanhamos os Robinsons amadurecerem juntos em diferentes papéis, se ajudando e reconhecendo as suas próprias falhas que os afetam reciprocamente. É leve o bastante para não destruir corações do público, mas pesado o suficiente para mantê-lo envolvido.
Tais conflitos ficam mais interessantes pela excepcional antagonista que é Smith. Sobrevivente ferrenha, ela não hesita em manipular e desviar informações para que se beneficie, mas não por algo nefasto e simples como busca de poder. Suas ações são motivadas por autopreservação, já que considera impossível o fato de criar uma conexão emocional com alguém devido a seu passado e, sim, a seus crimes. É uma personagem deliciosamente complexa que tem um arco narrativo brilhante ao longo de três temporadas.
Ainda há muito o que se elogiar aqui. A forma como a série debate questões filosóficas e como os personagens buscam soluções diplomáticas e criativas sem apelar para a violência barata é refrescante. A ameaça dos robôs vai além do primeiro ataque e cresce em perigo, ao passo que novas linhas vão aparecendo e revelando como tudo é muito mais relacionado do que parece ser. A trilha sonora retoma o tema da obra original com pompa e força, e mais do que atualizá-lo, o encaixa em outras peças musicais em momentos de triunfo que elevam a sensação de vitória. Seja enfrentando perigos desconhecidos do espaço, seja lidando com problemas familiares, é impossível não torcer para tudo dar certo para os Robinsons.
Tudo isso é temperado com cenários incríveis, ótimos efeitos e sequências de ação com boas doses de adrenalina. Claro que há falhas – principalmente no roteiro da terceira temporada – mas os acertos são tamanhos que as ofusca. “Perdidos no Espaço” é uma empolgante e envolvente aventura espacial, se provando uma série que merecia muito mais atenção do que recebeu. Possui um belo e amarrado final, que fecha bem os arcos de todos os protagonistas sem apelar para pieguices. Acompanhar a família se relacionando, superando dificuldades externas e internas e com o eterno objetivo de conseguir o bem de todos dá uma bom – e necessário – calor no coração. Os Robinsons podem não saber onde estão em vários momentos, mas sempre que estão juntos, há esperança.