Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Espíritos Obscuros (2021): terror dispensável

Protagonizado por atores muito competentes, o filme falha ao entregar personagens mal desenvolvidos e um roteiro fraco.

“Espíritos Obscuros”, que já está disponível no Star+, segue as histórias convergentes de dois personagens: Lucas Weaver (Jeremy T. Thomas), um menino escondendo um grave segredo com consequências assustadoras, e Julia Meadows (Keri Russell), professora de Lucas e a primeira pessoa a perceber que há algo de errado com o garoto. Julia está passando por um momento difícil e por isso está morando por um tempo com seu irmão, Paul (Jesse Plemons).

O filme dirigido por Scott Cooper e roteirizado por ele em parceria com Nick Antosca e Henry Chaisson tem seu maior triunfo na forma como constrói o clima sombrio da pequena cidade onde a história se passa. Mesmo quando a narrativa não está particularmente interessante, a fotografia, junto à trilha sonora, fazem o espectador sentir como se estivesse não apenas observando os acontecimentos, mas sim como alguém que está lá, ao lado dos personagens.

Após um início intrigante em que conhecemos o pai e o irmão mais novo de Lucas em circunstâncias assustadoras, além de uma citação arrepiante logo no início do longa, “Espíritos Obscuros” se torna morno e não entrega bons elementos de terror durante muito tempo. Como audiência, é fácil saber o que está acontecendo, e a história não faz questão de esconder informações para revelar tudo em um grande plot twist no final. Seu foco é mostrar como os elementos sobrenaturais da história vão afetar os personagens. É uma boa abordagem e que funciona até certo ponto, porém o que se inicia como um terror se torna mais um drama fraco e sem muita evolução durante a maior parte da sua narrativa.

As atuações decepcionantes que permeiam o filme prejudicam ainda mais seu desenvolvimento. Mesmo com atores extremamente competentes (não à toa Plemons foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu trabalho em “Ataque dos Cães”), os diálogos da obra não são eficazes, tornando todas as interações — principalmente entre os irmãos — completamente engessadas e sem um pingo de cumplicidade ou afeto.

Russell, que também já se provou ótima em outras obras (principalmente na série “The Americans”), entrega um trabalho igualmente decepcionante aqui. Com essa dupla de ótimos atores entregando performances medianas, fica claro que o maior problema é o texto extremamente fraco, que insere exposição de forma forçada durante toda a narrativa, além de não conseguir desenvolver competentemente os relacionamentos entre os personagens. Jeremy T. Thomas, o ator mirim que interpreta Lucas, entrega a melhor atuação entre o elenco, e talvez exatamente porque ele não tem muitas falas. Tudo isso sem citar a montagem fraca e com vários cortes abruptos, deixando a sensação de que a cena acabou do nada e prejudicando o ritmo do filme.

Outro aspecto que deixa evidente como o texto foi mal construído é a relação dos personagens com os traumas que já passaram nas suas vidas. Paul e Julia tiveram um pai abusivo, o que fez a irmã mais velha sair de casa na primeira oportunidade. Tentam criar um paralelo entre o sofrimento vivido por Julia e a situação de Lucas, porém tudo é dito ao invés de explorado em cena num suposto laço que poderia se criar entre eles. Isso acaba tirando toda a nuance ou desenvolvimento desse aspecto da história. Esse laço, que tentam forçar o tempo todo como a parte mais importante da narrativa, infelizmente não possui o peso necessário para realmente se tornar isso. E o fato de existirem poucas cenas em que Julia e Lucas realmente interagem deixa esse aspecto ainda mais complicado de ser transmitido de forma competente.

Muito é falado sobre traumas na história: Julia afirma diversas vezes que é uma sobrevivente, que já passou por isso na infância. Mas pouquíssimo desse aspecto é realmente explorado. Vemos Lucas passar por situações muito pesadas e isso cria uma empatia instantânea com o espectador — por ele ser apenas uma criança, visivelmente desnutrida e passando por situações horríveis —, mas isso não é suficiente para sustentar a narrativa.

Apesar de voltar fortemente com elementos de terror entre o final do segundo ato e início do terceiro, o desenvolvimento da entidade sobrenatural e a forma que o filme é resolvido deixam muito a desejar. Principalmente quando, nos minutos finais, é introduzido um elemento narrativo desnecessariamente cruel e que não acrescenta nada à história que foi contada até ali.

“Espíritos Obscuros” conta com uma premissa que funcionaria muito melhor em um curta-metragem. Principalmente porque seria mais fácil focar na parte mais interessante da história: ver coisas bizarras acontecendo pelo ponto de vista de Lucas. Infelizmente, o longa rapidamente se prova como uma grande perda de tempo.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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