Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Munique – No Limite da Guerra (Netflix, 2021): início de uma vitória contra o nazismo

Baseada no livro de Robert Harris, obra deixa de lado os campos de batalha e apresenta a investigação e a diplomacia britânica contra a ascensão nazista.

“Se dez pessoas estão sentadas numa mesa, senta um nazista e ninguém se levanta, é porque onze nazistas estão sentados na mesa”. O ditado varreu a internet nos últimos meses após a divulgação da pesquisa elaborada pela antropóloga Adriana Dias, que apontou o crescimento de 270% dos grupos neonazistas no Brasil em três anos. Mesmo depois de tanto tempo, as desumanas ideias de Adolf Hitler insistem em retornar. E se os conceitos do ditador tivessem sido interrompidos antes do pior acontecer? Ninguém tentou pará-lo antes? Essas são as propostas de “Munique: No Limite da Guerra”, novo drama da Netflix.

A obra, baseada no livro de Robert Harris e dirigida por Christian Schwochow (diretor de dois episódios da série “The Crown”), apresenta em um rápido prólogo os três principais personagens da trama, Hugh Legat (George MacKay), Paul von Hartmann (Jannis Nielwöhner) e Lenya (Liv Lisa Fries), respectivamente um inglês, um alemão e uma judia. Os três se conheceram após estudarem juntos na Universidade de Oxford. Seis anos depois, Legat se torna secretário do primeiro-ministro Neville Chamberlain (Jeremy Irons), em Londres, e Paul atua como diplomata no Ministério do Exterior alemão, com contato direto ao gabinete de Hitler (Ulrich Matthes), em Berlim. Mesmo em pontas diferentes da história, os dois saem em busca de um plano para acabar com a estratégia do ditador.

O roteiro de Ben Power (da série “A Coroa Vazia”) direciona seu ponto focal para os bastidores que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Enquanto Legat mantém contato frequente com Chamberlain, Paul serve como um agente infiltrado em busca de provas de que Hitler não ficaria satisfeito apenas com a invasão ­à Tchecoslováquia, na chamada Crise dos Sudetos. A eminente guerra contra o país significava também uma briga contra Grã-Bretanha e França. Seu plano era conquistar ainda mais territórios na Europa, disseminando suas ideias racistas e antissemitas. Ao mesmo tempo em que o ritmo é lento, o texto de Power aproveita cada segundo do seu tempo para ampliar a relação entre os protagonistas, demonstrando os motivos de terem se desencontrado após Oxford.

Por meio do nacionalismo, Hitler exaltava o orgulho da pátria, mas no fundo, criava ali uma hierarquia racial. O texto de Power exalta como o poder da propaganda ajudou a implantar as ideias nazistas na mente dos alemães, ainda mais após a derrota do país na Primeira Guerra Mundial e os severos termos do Tratado de Versalhes.

De volta a um filme que se passa na guerra após “1917”, George MacKay agora se encontra em uma situação diferente. Com uma perspectiva mais voltada para a espionagem, o ator brilha nas cenas mais introspectivas, transmitindo suas emoções apenas com as expressões faciais. Durante as mais de duas horas, a tensão é construída pelo talento de MacKay, Nielwöhner e Irons. Ulrich Matthes vira o centro das atenções quando Hitler entra em cena – sem gritos, sem grandes expressões, sua interpretação é ótima pela sua simples presença e pela atmosfera ameaçadora que orbita ao seu redor, graças a uma ótima construção de Schwochow.

Jeremy Irons está impecável como o primeiro-ministro. Além do visual idêntico ao de Chamberlain, o ator exibe a classe e o jogo de cintura necessários para um personagem com uma função tão importante. Transmite experiência e também anseio ao ter que lidar com um ditador em reuniões burocráticas que levam nada a lugar nenhum.

Com uma excelente direção de arte, com tons frios em meio a nubladas capitais, e uma ótima trilha sonora que ajuda a ampliar o clima tenso no ar, “Munique: No Limite da Guerra” é uma excelente obra sobre espionagem que deixa de lado o campo de batalha para priorizar os bastidores. Nunca é tarde para se informar sobre as tragédias que a humanidade passou. O crescimento de grupos neonazistas no Brasil nada mais é do que pura ignorância sobre a história. E como disse o filósofo Edmund Burke, um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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