“Ou você morre como herói, ou vive o bastante para se tornar vilão”. A icônica frase proferida pelo advogado Harvey Dent/Duas Caras em “Batman: O Cavaleiro das Trevas” pode ser aplicada a inúmeras situações, uma delas ao universo das séries. Algumas, desfrutando de grande repercussão e audiência acabam indo além do que haviam planejado e se perdem na história. Outras, por mais curtas e interessantes que sejam, sabem a hora de parar e deixar aquele gostinho de ‘quero mais’. “After Life“, série criada por Ricky Gervais para a Netflix, entra neste segundo grupo. A produção, que é sucesso de crítica, embora sem tantos fãs, chega a sua temporada final, entendendo que era o momento de fechar o ciclo de Tony e Cia. Uma conclusão com muitas lágrimas, risadas e reflexão.

Escrita e dirigida por Gervais, a série é a combinação perfeita entre um roteiro inteligente, direção segura e atuações cativantes. É admirável a sensibilidade com que o realizador aborda o texto principal, que foca no luto do protagonista, mas que ainda assim sabe explorar os subtextos de outras personagens. Notável também é o poder de síntese de Gervais, capaz de contar várias histórias usando de tão pouco tempo (os seis episódios tem aproximadamente 25 minutos). Uma precisão impecável, que se adapta ao consumo rápido dos streamings, porém não soa como uma obrigação. Trata-se simplesmente da habilidade do comediante em ser direto e reto na conversa com a audiência. E por falar em comédia, os diálogos continuam ácidos e bem verdadeiros.

Depois de descontar sua dor no mundo a sua volta e na sequência tentar ser um pouco mais zen, Tony (Gervais), ainda em estado de luto pela ausência de Lisa (Kerry Godliman) e decidido a ser apenas amigo de Emma (Ashley Jensen), vem para a última temporada tentando equilibrar seus sentimentos para desfrutar de uma existência um pouco mais pacífica. Para manter a chama da esperança acesa em Tony, o roteiro traz uma nova leva de ‘causos’ dos moradores de Tambury e, claro, o retorno dos velhos amigos, que, se anteriormente já tinham recebido mais atenção da narrativa, agora seguem suas trajetórias sem depender dos empurrões do protagonista. E está na independência dos coadjuvantes uma das armas para manter a produção interessante, genuína e emocionante.

Kath, personagem interpretada por Diana Morgan, é uma das que ganham bastante destaque nos novos episódios. Ela, que nunca escondeu sua solidão, parte em busca do homem perfeito e, com isso, vivencia encontros cômicos e frustrantes que só servem para potencializar seus medos e inseguranças. James (Ethan Lawrence), o aspirante a ator, decide se emancipar e vai morar com Brian (David Earl). Juntos, os desajustados começam a questionar suas existências medíocres e a convivência proporciona um dos momentos mais engraçados de toda a série. Enquanto isso, Matt luta para provar que tem um espírito aventureiro, Anne e Peter são unidos pelo vazio deixado por seus companheiros e até mesmo Coleen, a nova estagiária, tem um draminha para desenvolver.

E para dar o toque final num casting que deixa de ser reativo, a adorável Brandy. Fiel companheira de Tony desde o início, a cadela é mais uma prova concreta de que os animais curam e são melhores que muita gente. Ponto negativo da série é o sumiço inexplicável de importantes personagens como a antiga estagiária Sandy, a profissional do sexo Roxy – citada pelo carteiro Pat várias vezes – e o terapeuta maluco, que junto com seus amigos machistas teve a ideia de um podcast para homens, mas do qual não faz parte. Se havia algum receio de que “After Life” não conseguiria manter o nível para seu desfecho, a série mostra que não perdeu o ritmo e impressiona pela simplicidade bem executada, o humor implacável de Gervais e o dom para tocar o coração de quem assiste.