Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

O Beco do Pesadelo (2021): boa obra de Del Toro

Com uma atmosfera lúgubre, Guillermo Del Toro entrega um estudo sobre a crueldade humana, onde monstros são criados por outros monstros.

Após o ótimo “A Forma da Água”, o diretor e roteirista Guillermo Del Toro traz uma trama mais macabra, onde o próprio ser humano é capaz de ser um monstro mais vil do que qualquer criatura criada pelo cineasta ao longo de sua carreira. Em “O Beco do Pesadelo”, Bradley Cooper interpreta Stan, homem que vemos logo na primeira cena arrastando um cadáver e ateando fogo em uma casa isolada, de onde sai sem olhar para trás.

Ele se depara com um circo itinerante liderado por Clem (Willem Dafoe, sempre impecável), e aproveita a oportunidade de ganhar a vida para entrar na trupe. Seu charme e beleza conquistam pela inocência, e Stan busca mais habilidades e oportunidades para ter uma vida melhor com sua recém-conhecida amada Molly (Rooney Mara).

Conforme consegue diferentes níveis de sucesso, sua arrogância começa a dominá-lo. É nesse momento que a psiquiatra interpretada por Cate Blanchett entra na história. O embate de ambos tentando analisar um ao outro rende cenas intrigantes e hipnóticas, que sempre deixam um gosto de querer saber mais. E quanto mais se descobre sobre Stan, mais se percebe o quanto ele procura preencher um vazio, e o quanto seus esforços são em vão.

Cooper está ótimo no papel, explorando as camadas magoadas e malignas de Stan enquanto é desconstruído. Mara acerta o tom de uma personagem gentil, infeliz e esperançosa, sendo um raio de leveza em um universo pesado e cruel. Entretanto, quem rouba todas as cenas é Blanchett. Sedutora e audaz, é uma presença magnética e misteriosa que atrai atenção e fascínio.

Ainda no primeiro ato, há uma cena em que Stan entra em uma das atrações, cheias de referências bíblicas sobre pecados. É onde se ouve a voz do protagonista pela primeira vez e Del Toro mergulha na chance de poder se valer de um bom número de artifícios visuais para emoldurar e realçar a jornada prestes a acontecer.

O filme é perceptivelmente dividido em dois — as cenas no circo e as na cidade —, e há certo desiquilíbrio do roteiro em lidar com as duas partes. A falta do rico cenário mambembe pode até ser bem contrastada com a frieza enfadonha das paisagens urbanas, mas quando momentos-chave acontecem, é inevitável que a mente fique pedindo por um estímulo visual criativo e variado como os do primeiro ato.

Entretanto, ao trazer uma abordagem mais realista do que costuma fazer, Del Toro tece profundos comentários sobre sofrimento, castigo, morte e seus efeitos mórbidos na mente humana. Há um constante estudo sobre a crueldade que um pode exercer sobre outro, e a infinita corrente de agressões (físicas ou não) que perpetuam e proliferam em almas quebradas.

Mesmo com problemas de ritmo e o desequilíbrio já mencionado, “O Beco do Pesadelo” é uma experiência única. Com um final certeiro e trágico, Del Toro entrega uma obra sobre atos monstruosos e suas consequências.

Bruno Passos
@passosnerds

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