Anos após o final infame da série original, a Showtime traz de volta Clyde Phillips e Michael C. Hall para continuar a história de um dos monstros mais queridos da televisão.
Monstros têm algo a oferecer para qualquer pessoa. Seja sua origem, uma história passada, um vício, não importa — há algo dentro de todo mundo que nos torna capazes de sentir simpatia até pelo mais vil dos indivíduos. Desde sempre essas histórias nos encantam, basta olhar para Drácula, Darth Vader, Hannibal Lecter… Mais recentemente, até, toda uma área de conteúdo se estabeleceu em cima de monstros reais com o gênero do true crime. Tudo para nos sentirmos mais próximos deles. Em 2006, o mundo ganhou mais um monstro pelo qual se apaixonar quando “Dexter“, foi ao ar pela primeira vez. Agora, já quase oito anos do fim da série original, “Dexter: New Blood” chega para consertar o que muita gente considera um dos piores finais da televisão.
Ambientada dez anos depois do protagonista despachar seu filho para a Argentina e virar lenhador, a nova série chegou como mais que um revival. Era a chance de superar o trauma dos fãs, que viram “Dexter” ganhar ares de novela com a saída do roteirista e showrunner Clyde Phillips na quarta temporada. Antes com mergulhos tão profundos na psiquê do personagem-título, ela passou a se preocupar mais com o drama ao seu redor até o final, um dos mais infelizes da televisão.
Para que “New Blood” pudesse dar certo, então, era preciso resgatar a confiança dos fãs, e foi logo isso que a emissora Showtime tratou de fazer, recrutando de volta Phillips para conceber o que seria o final definitivo do serial killer de serial killers. E, para nosso alívio, nem ele, nem o ator Michael C. Hall perderam o toque que tinham com a série e o personagem, e assistir “New Blood” é como vestir uma roupa antiga e ver que não só ainda serve, mas também cai bem.
Tendo se mudado das florestas do Oregon para a pacata e gélida Iron Lake, no norte do estado de Nova York, Dexter agora atende pelo nome de Jim Lindsay (clara homenagem ao criador do personagem, Jeff Lindsay). Apesar de estar há dez anos sem matar e controlando seus impulsos, ele tomou as precauções devidas para não ser descoberto: se mantém longe das redes sociais, acompanha o comércio de armas da cidade como vendedor em uma loja e namora a chefe de polícia local, a esforçada Angela Bishop (Julia Jones). O Passageiro Sombrio, que agora se manifesta na figura de sua falecida irmã Debra (Jennifer Carpenter), está sereno e tudo está em paz… até o passado bater à porta para acertar as contas na figura de seu filho Harrison (Jack Alcott).
Ao longo de “New Blood”, algumas coisas ficam claras. Primeiro, Dexter está longe de seus tempos áureos, e o controle que impôs sobre seus impulsos sombrios fez com que ele perdesse muito dos cuidados que tinha com seu “ofício” (algo que fica claro até na ausência da icônica abertura da série antiga, que reforçava natureza metódica do serial killer). Segundo, Iron Lake não é Miami, e há muito menos espaço para um serial killer, ainda mais da forma que ele sempre atuou. Ao confrontar sua realidade atual e seu passado, seus desvios de personalidade ficam ainda mais nítidos. O sucesso enquanto serial killer sempre lhe agradou. Agora, com um jovem que é sua imagem e semelhança, isso fica ainda mais nítido — afinal, Narciso acha feio o que não é espelho.
O trabalho de Michael C. Hall, aliás, segue assustador no retrato da sociopatia de Dexter. É de se espantar como um ator, que trabalha sutileza e profundidade de formas tão versáteis, não tem mais destaque em Hollywood. Se antes ele e Jennifer Carpenter destoavam em relação ao restante do elenco, agora eles têm uma boa base de coadjuvantes, principalmente com o trabalho competente de Jack Alcott como Harrison e de Julia Jones como a chefe de polícia Angela.
A trama elaborada por Phillips também remonta à dinâmica das temporadas iniciais da série original, com os desafios de Dexter bem definidos desde o começo e o grande antagonista revelado aos poucos — aqui pela atuação arrepiante de Clancy Brown como o figurão Kurt Caldwell. Mas ainda que as revelações e conflitos sejam construídos com calma pelas mãos seguras dos diretores Marcos Siega e Sanford Bookstaver, por vezes o enredo acaba nos impondo frustrações. Em mais de uma ocasião, a série dá a entender que gostaria de encerrar com o arco todo do personagem desde 2006, só para enterrá-lo sem mais nem menos em seguida. O capítulo final, particularmente, promete incomodar bastante nesse sentido.
Só que, para um público tão traumatizado por finais quanto o de “Dexter”, nunca nenhum desfecho seria recebido e aceito facilmente, e sempre haverão diversas outras possibilidades que cada um gostaria de ver. Todas elas seriam melhores que o que vimos em 2013, mas dificilmente alguma seria melhor que a que vemos aqui. Os fãs, enfim, podem dormir tranquilos.