Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A Crônica Francesa (2021): o arroz e feijão de Wes Anderson

Embora cative em diferentes momentos, o estilo de Wes Anderson começa a demonstrar alguns sinais de desgaste.

Não é nenhuma novidade que a estética do diretor Wes Anderson é bastante característica na grande maioria de suas obras. Eficientes na emulação de uma atmosfera onírica e que flertam com o arcabouço de fábulas e contos de fada, a sua visão tende a mirar histórias simples e que costumam transmitir doces reflexões sobre a natureza.

Dividido em variados segmentos, que se sustentam pelo conceito unificador de simular diferentes reportagens de uma mesma edição jornalística, “A Crônica Francesa” é mais uma evidência da delicada habilidade de seu diretor para com a composição visual, mas que infelizmente também denuncia alguns dos desgastes de sua própria fórmula.

Em primeiro lugar, seria injusto ignorar que são simpáticas as aproximações temáticas de cada capítulo da produção, que se misturam pelo reconhecimento da multiplicidade que a arte pode proporcionar. Se o primeiro segmento traz uma apresentação mais breve da cidade na qual tudo se desenrola, por meio de uma carismática condução do ator Owen Wilson, os demais priorizam as personas que reportam os acontecimentos que supostamente dão vida àquele cenário.

Nesse processo, até cativa a maneira como esses recursos valorizam o papel da arte. Temos múltiplos pontos de vista complementando o significado da última por intermédio do jornalismo, setor da comunicação constituído pela colaboração entre bagagens pessoais e acontecimentos verídicos. Embora tenha também um compromisso com a realidade, seria inútil desconsiderar que o jornalista é parcialmente influenciado por óticas individuais, de modo que a obra encontra seu maior trunfo justamente nesse exercício de transmutação da “verdade”.

O episódio em que isso é melhor aplicado talvez seja o protagonizado por Benicio Del Toro, no qual conquista os holofotes a interessante relação que se estabelece entre a sua personagem, um artista psicótico aprisionado em uma cela fria, e a impassível policial interpretada por Léa Seydoux que aceita servir como sua modelo.

Uma vez ultrapassada essa passagem, todavia, a criatividade de Anderson parece declinar, e o sequenciamento de seus planos visualmente sedutores parecem unicamente reciclar elementos uns dos outros. Desse modo, a artificialização proposital tão típica de sua assinatura parece aqui pesar contra os demais protagonistas, de maneira que a supérflua exploração de figuras como Frances McDormand, Jeffrey Wright e Tilda Swinton deixam oportunidades desperdiçadas.

Sendo assim, embora o planejamento de uma certa artificialização tenha funcionado em seu estilo até aqui, e mesmo nesse exemplar ainda acerte em alguns pontos – entre os quais pode-se ainda mencionar o curioso desfecho, que bem coroa essa extensão da arte como construção coletiva -, é necessário reconhecer um certo esgotamento do cinema de Wes Anderson.

Não deve se dizer jamais, entretanto, que não é notável a grande paixão que o mesmo nutre pela Sétima Arte. Dessa forma, resta torcer para que o diretor passe a investir em novas estratégias que o ajudem a reinventar, sem a perda de sua essência, a sua forma única de se contar histórias, as quais nem sempre conseguem se encontrar por entre o jogo entre superfície e profundidade.

Davi Galantier Krasilchik
@davikrasilchik

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