Desde os tempos dos mestres Sergio Leone (“Era Uma Vez no Oeste”) e John Ford (“Rastros de Ódio“), o western acostumou a audiência com cenários povoados e protagonizados por homens e mulheres brancas. Se puxar pela memória verá como é difícil encontrar um só filme no gênero em que os pretos ditaram o ritmo. Esse retrato equivocado de que na época do bang-bang essas pessoas não existiam, e que vem sendo perpetuado ao longo dos anos, é o ponto de partida de “Vingança & Castigo“, novo filme da Netflix, que de cara dá o recado: “Apesar de os eventos dessa história serem fictícios, essas pessoas existiram“. O que vem a seguir é uma narrativa tradicional sobre vingança, família e traições, mas que empolga por seu estilo e estética, as boas atuações e a ausência de qualquer remorso em parecer violenta demais.

O diretor e roteirista Jeymes Samuel, que já se aventurou no faroeste com o curta “They Die by Dawn“, conta aqui a história de Nat Love (Jonathan Majors), um jovem bandido que ainda criança viu seus pais serem cruelmente assassinados pelo implacável Rufus Buck (Idris Elba). Os anos se passaram, e quando Nat descobre que seu inimigo vai ter seus crimes perdoados pela justiça e que, por isso, será libertado da prisão, ele decide reunir sua gangue em busca de vingança, o que dá início a uma jornada sangrenta e repleta de descobertas. Entre tantas coisas que chamam a atenção neste filme, a decisão mais acertada é a justa reparação histórica com indivíduos que viveram naquela época. O universo dos foras-da-lei sempre teve um charme, mas nunca deu voz aos pretos. Para sair do lugar comum, uma justa representatividade.

E convenhamos, em tempos sombrios em que o racismo ainda é questionado, trazer um elenco majoritariamente composto por atores pretos para um gênero em que os brancos sempre foram protagonistas, por si só já é algo que torna o longa interessante e também bastante importante. Além disso, o roteiro de Jeymes Samuel dispensa o confronto entre mocinhos e vilões bem como a presença de donzelas esperando para serem resgatadas. São diversas mudanças no status quo do faroeste que conseguem transformar uma história convencional em uma narrativa com personalidade capaz de provar o seu valor. Bandidos que assaltam bancos. Bandidos que assaltam bandidos. Povoados a mercê de figuras ameaçadoras. Pistoleiros velozes. Tudo é igual e ao mesmo tempo tão diferente nas mãos de um diretor empenhado em deixar sua marca.

Com experiência em curtas e departamentos de música, Samuel oferece a sua visão de western sem deixar de lado as referências que construíram o gênero. Aqui, o diretor abusa da violência, apostando em confrontos viscerais que ilustram bem a crueldade daqueles que viveram esse período da história. Para um realizador com quase nenhuma bagagem, Samuel apresenta versatilidade técnica e eloquência ao registrar as sequências de ação por vários ângulos, injetando ainda mais adrenalina no filme. Demonstra senso de humor afiado também quando leva seus bandidos a uma cidadezinha habitada somente por brancos. Enquanto roteirista, pesa a mão no ato final (apesar de aceitável), mas ao longo do caminho seus diálogos divertidos e cheios de frases de efeito tratam de empolgar o público, juntamente com o elenco.

E que casting tem “Vingança & Castigo”. Além do protagonista elegante de Jonathan Majors e o antagonista taciturno e intimidador de Idris Elba, o longa conta com interpretações inspiradas de LaKeith Stanfield, Regina King, Zazie Beetz e Delroy Lindo. Quando juntos, evocam uma atmosfera poderosa e envolvente, em que qualquer faísca pode resultar num incêndio. Outro ponto que vale destaque é a trilha sonora original com músicas de Jay-Z, Seal, CeeLo Green, entre outros. A música é uma ferramenta quase onipresente no filme e, com estilos que vão do rap ao reggae, embala a visão moderna do western construído por Jeymes Samuel.

Uma história fictícia, com a representação de figuras históricas reais que um dia habitaram o Velho Oeste americano, “Vingança & Castigo” é um palco para batalhas sangrentas, personagens carismáticos e um digno reconhecimento.