Com uma atmosfera de drama indie, o longa da diretora Chloé Zhao é a experiência mais arriscada e interessante da Marvel.
Desde o segundo filme do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), quando a franquia ainda nem tinha esse nome, críticos do gênero de super-heróis vociferam aos quatro cantos que o estúdio, hoje pertencente à Disney, é uma repetidora voraz de fórmulas. Dizem que os filmes são iguais, que as histórias e até os visuais são extremamente semelhantes para não espantar o público cativo dos homens/mulheres de capa. Em 2021, a Marvel avança o sinal em cima de seus detratores com “Eternos”, quase um drama indie cheio de grana.
No longa, acompanhamos um grupo de dez seres superpoderosos que vieram para a Terra em uma missão específica, dadas pelo ser Celestial Arishem (voz de David Kaye): acabar com a ameaça dos monstros Deviantes e, no processo, ajudar a humanidade a evoluir sem se envolver em seus conflitos. Eles chegam ao mundo nos primórdios da civilização humana e, com o passar do tempo, se embrenham na cultura do planeta, apegando-se e se misturando aos seus protegidos. A questão mais relevante do filme é a de que o tempo e o propósito são os articuladores de nossas personalidades, não à toa o longa se inicia ao som de Time, canção clássica da banda Pink Floyd.
Com um time de muitos heróis, Eternos possui um grande elenco bastante diversificado (talvez o mais variado da história do gênero) e também irregular, o que é normal em se tratando de personalidades variadas, idades e gêneros diferentes. Se Gemma Chan (Sersi), Angelina Jolie (Thena), Richard Madden (Ikaris), Kumail Nanjiani (Kingo), Brian Tyree Henry (Phastos) e Ma Dong-seok (Gilgamesh), entregam carisma, graça e profundidade para seus personagens, o mesmo não pode ser dito de Barry Keoghan (Druig), Lauren Ridloff (Makkari), Kit Harington (Dane Whitman) e, principalmente, pela menina Lia McHugh (Duende), que possui uma importância muito grande no longa, mas não consegue atingir a complexidade que sua personagem necessita. Talvez atrapalhada pela peruca horrorosa que lhe coube no figurino, um dos acessórios mais vexatórios que se tem notícia no cinema moderno.
Se existe algo que é quase impresso na película de “Eternos” é a assinatura da diretora Chloé Zhao (vencedora do Oscar por “Nomadland”). Aqui ela traz para o cinema blockbuster um frescor e atmosfera poucas vezes exploradas em grandes franquias, mas muito utilizada em dramas e produções independentes, onde não é necessário se adequar às reações de sessões prévias para o público, e o nome do cineasta quase sempre supera o da produção. A diretora impõe seu característico ritmo cadenciado para contar a história, não acelerando momentos de intimidade entre os personagens, ao mesmo tempo em que explora as paisagens grandiosas de locações que situam o filme. Algo ainda mais bonito ao ser acompanhado pela trilha sonora épica de Ramin Djawadi (“Game of Thrones”), que não irrompe o que se vê na tela e mistura-se organicamente com o visual soberbo.
Sim, existem alguns problemas em “Eternos”, como efeitos digitais que não impressionam, alguns braços da história que não são tão interessantes assim, personagens secundários que não despertam nenhum sentimento, um semi-vilão mal explorado e, principalmente, uma sensação de que aquela história não se passa no universo de filmes da Marvel, mesmo que em vários momentos os personagens e situações da franquia sejam citados (e pasmem, alguns outros da DC Comics). Mesmo assim, o longa deve ser louvado por não levar a cabo toda a cartilha do gênero de super heróis, tornando-se assim um experimento para produções futuras… Se a bilheteria permitir, é claro.
P.S.: O filme possui duas cenas pós-créditos, que devem ser melhor compreendidas por ávidos fãs de quadrinhos.