Ao abordar de forma objetiva questões delicadas como saúde mental e mais, a série do Apple TV+ deixa definitivamente o status de fenômeno momentâneo e se consolida como uma das principais obras em exibição atualmente.
Quando estreou em 2020, “Ted Lasso” pegou a todos de surpresa. Como pode uma série tão simples em suas ideias e execução ser tão envolvente? Talvez justamente pela simplicidade de sua premissa: um técnico de futebol americano se aventura no futebol tradicional na Inglaterra, sem conhecer muito do esporte, mas com uma fé e otimismo inabaláveis. Aos poucos, descobrimos que Ted (Jason Sudeikis) é muito mais do que um sujeito carismático e caricato e que suas águas, ainda que tranquilas, são bem profundas.
Tendo conquistado nada menos que sete Emmys em 2021, o segundo ano da série tinha o desafio de manter o alto nível. Para tanto, os criadores da série – composto por Sudeikis, Brendan Hunt (o técnico Beard, dono de um dos melhores episódios da temporada) e o showrunner Bill Lawrence – ampliam o escopo, passando a trabalhar melhor e dar mais tempo para os outros núcleos dentro do AFC Richmond. Com isso, “Ted Lasso” abraça de vez seu perfil de comédia de local de trabalho, mas sem deixar de lado suas marcas registradas.
Após o rebaixamento na temporada anterior, o aguerrido time londrino precisa se organizar para retornar à Premier League, o principal campeonato nacional de futebol do mundo. A queda costuma ser um golpe duro a qualquer trabalho, mas um bom ambiente tende a se refletir nos resultados dentro de campo. A premissa agora é mostrar como isso ocorre fora das quatro linhas, apostando em uma visão positiva das relações dentro e fora do trabalho.
É um deleite acompanhar o desenrolar dessas relações, sejam elas amistosas, românticas ou apenas cordiais. Novos elementos são apresentados e caem como uma luva no enredo da série, como a psicóloga esportiva Sharon Fieldstone (Sarah Niles), que não só ajuda a equipe a encarar seus demônios para sair de uma série de empates e evoluir no campeonato, mas também Ted a compreender o que há por trás de sua filosofia de vida e de trabalho, em uma jornada de autoconhecimento pela qual todo homem deveria passar em algum momento. Outro sopro de ar fresco mais que bem vindo foi o estabelecimento de um antagonista na figura de Nate Shelley, impulsionado pela atuação brilhante de Nick Mohammed, dando início a um arco de filho pródigo que certamente será interessante.
Mas o ponto mais forte da série continua sendo a utilização de tópicos relevantes do cenário atual do futebol para o desenvolvimento dos personagens. Em uma época na qual o dinheiro é o que dita quais equipes sobem e quais descem, essa realidade foi incorporada de forma interessante ao longo da temporada na figura de patrocinadores e investidores excêntricos, funcionando perfeitamente dentro da história.
O retrato do futebol em si, no entanto, continua longe ser o ideal, carecendo sim de uma técnica mais apurada – por exemplo, colocar câmeras seguindo jogadores de perto no campo acaba por tirar um pouco da emoção do jogo, quase como se as imagens fossem filmadas de forma amadora a partir da torcida. Mas mesmo isso, que é tão importante para quem também é fã do nobre esporte bretão, pode ser relevado tranquilamente por quem compreende que o futebol, ainda que faça parte da premissa da série, não é exatamente seu objeto. Muito mais importante do que Jamie Tartt (Phil Dunster) fazer um gol é tudo que o leva até as redes.
No fim das contas, “Ted Lasso” encanta ainda mais em sua segunda temporada por sua mensagem e impressiona pela coragem com que aborda temas delicados, mas relevantes atualmente, de saúde mental à masculinidade tóxica. Sem fugir de qualquer debate e se propondo a lidar com cada um deles de coração aberto, a série deixou de vez o status de febre momentânea para se consolidar como uma das principais em exibição atualmente. Ficamos agora ansiosos para ver como ela irá se sair na liga principal no ano que vem.