Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 21 de setembro de 2021

Kate (Netflix, 2021): comum, mas viciante

Tingida de sangue, neon e violência, a cidade de Tóquio se converte no lugar perfeito para a jornada de vingança de uma assassina mortal.

Angelina Jolie, Uma Thurman, Milla Jovovich. Atrizes bem-sucedidas que, a partir dos anos 2000, toparam o desafio de encarar heroínas (ou anti) e estrelaram sucessos como “Lara Croft: Tomb Raider“, “Kill Bill: Volume 1” e “Resident Evil: O Hóspede Maldito“. Elas abriram espaço num gênero tomado por homens de terno quase infalíveis e pavimentaram o caminho para outros talentos como Margot Robbie, Jessica Chastain, Brie Larson, Scarlett Johansson e Charlize Theron, sendo esta última, hoje, uma das atrizes que mais tem investido na ação, vide o excelente “Mad Max: Estrada da Fúria“, o bom “Atômica” e o mediano “The Old Guard“. Graças a elas e suas jornadas, existe “Kate“, nova produção da Netflix, que traz uma protagonista badass para ditar o ritmo de uma narrativa violenta e muito viciante.

A trama acompanha a super assassina Kate (Mary Elizabeth Winstead). Desde que foi acolhida pelo misterioso Varrick (Woody Harrelson) após ficar órfã ainda muito jovem, Kate tem sido treinada para ser uma máquina de matar, desprovida de emoções. Depois de anos de serviços prestados, ela decide que é hora de parar e estabelecer uma família, e então sua vida sofre um grande baque. Irreversivelmente envenenada, a criminosa descobre que tem apenas 24 horas para viver e sai em busca de vingança. Durante o processo, ela conhece a adolescente Ani (Miku Patricia Martineau), filha de uma de suas vítimas do passado e com quem cria um inesperado laço de amizade. Mary Elizabeth Winstead não é a primeira e nem será a última a interpretar essa personagem que por sua vez possui trajetória semelhante à outras.

Produzido por David Leitch, coordenador de dublê antes de dirigir sucessos de bilheteria como “Deadpool 2” e “Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw“, o filme é claramente concebido a partir dos algoritmos da Netflix, o que pode representar tanto uma força quanto uma fraqueza. A vantagem é que a narrativa, como entretenimento bem pensado, entrega aquilo que dela se espera. Sob a direção enérgica de Cedric Nicolas-Troyan, “Kate” se apresenta como uma obra de gênero bem executada: é recheada de combates coreografados vibrantes, ilustra a violência com muito sangue e traz uma estética chamativa que ilumina Tóquio com um envolvente neon. Além disso, sua protagonista esbanja estilo. Lembrando uma Sigourney Weaver jovem, Winstead compensa a falta de carisma com sobriedade e vigor.

Por outro lado, ao seguir à risca a cartilha de outras produções do gênero, o roteiro de Umair Aleem abdica de ser original. A personagem principal que tem um dia para resolver seus problemas e que com suas habilidades é capaz de eliminar um batalhão de homens bem armados; a figura do mentor, cujos métodos de treinamento ultrapassam a barreira da tortura; o envolvimento emocional que surge como empecilho para concluir a missão; e, não podemos esquecer, da quase imortalidade da protagonista. Todas essas ideias que dão vida ao argumento na prática, soam estimulantes (e de fato, na tela acabam sendo impactantes), porém, contribuem para um longa sem personalidade, que prende a atenção, mas deixa passar a oportunidade de surpreender o espectador com algo que realmente possa ser lembrado após a sessão.

A presença de Woody Harrelson aqui também não faz muita diferença. No piloto automático, o ator não oferece muitas nuances à sua interpretação e o personagem é mais um que termina na vala comum de outros do gênero. Já a jovem Miku tem carisma e, apesar do relacionamento forçado com a algoz de sua família que o roteiro impõe, consegue despertar alguma empatia. “Kate” não funciona enquanto drama e não se esforça muito para surpreender como ação, mas colocando em prática o feijão com arroz, temperado com estilo e desenvoltura, garante um entretenimento rápido e viciante. Na tentativa de emplacar mais uma franquia de ação, assim como fez com “O Resgate” e “The Old Guard“, a Netflix, sem inovar, encontra mais um produto interessante para ser lapidado e render bons frutos.

Renato Caliman
@renato_caliman

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