Drama adolecente estrelado por Thiessa Woinbackk é o retrato indigesto do descaso e segregação enfrentada diariamente pela juventude trans no Brasil.
Em seu longa-metragem de estreia, “Valentina”, o cineasta Cássio Pereira dos Santos demonstra a mesma sensibilidade vista ao longo de toda a sua filmografia, composta até então por curtas promissores, cuja temática em suma busca retratar jovens invisibilizados socialmente em situações triviais para a maioria da população. Dessa forma, o diretor e roteirista novamente propõe com didatismo uma visão mais ampla a respeito do privilégio e desigualdade perpetuados pela sociedade brasileira.
Na trama, acompanhamos Valentina (Thiessa Woinbackk), uma jovem trans de 17 anos de idade que se muda para o interior de Minas Gerais com sua mãe, Márcia (Guta Stresser), em busca de um recomeço. Com receio de ser hostilizada no novo colégio, a garota, usufruindo de seu direito legal, tenta se matricular com seu nome social. No entanto, a família acaba enfrentando problemas quando a diretora exige a assinatura do pai ausente, Renato (Rômulo Braga), para poder realizar a matrícula.
Embora o enredo se esforce para apresentar de imediato o conflito, infelizmente, a estrutura episódica da narrativa acaba por comprometer a unidade e ritmo do filme. Mesmo partindo de uma premissa simples e intrigante, a obra expressa uma certa dificuldade em desenvolver seu arco principal – a procura pelo pai da protagonista, e, quando enfim o conclui, mostra não saber como lhe atribuir a devida relevância. Ademais, também há subtramas envolvendo personagens secundários que, embora explorem questões pertinentes, falham ao tentar se conectar com o eixo da história. Ainda assim, apesar de algumas pontas soltas, o roteiro é capaz de compor cenas memoráveis e diálogos sensíveis, tornando a experiência de fato recompensadora.
A direção por sua vez, exprime maturidade ao abordar com sutileza situações que facilmente poderiam soar gratuitas e apelativas, erroneamente acionando gatilhos em uma parcela considerável do público. No entanto, somado ao belíssimo trabalho do diretor de fotografia, Leonardo Feliciano (“No Coração do Mundo”), que destaca a protagonista em meio ao cenário dessaturado e opressor, os realizadores obtêm êxito no apuro estético e na escolha do tom, direcionado a adolescentes e adultos.
Contudo, o maior destaque da produção é certamente a atuação contundente de Thiessa Woinbackk, cujo talento se sobressai dos demais nomes do elenco jovem. Comprometida, a atriz carrega em seu repertório uma vasta bagagem emocional, concedendo a sua personagem veracidade e uma carga dramática quase tangível. Transitando entre momentos de extrema doçura e indignação, a intérprete principal jamais é passiva perante as adversidades que as circunstâncias lhe impõe, e ainda assim, não abre mão de ser afetuosa com quem lhe acolhe em sua plenitude.
Bastante didático, “Valentina” é um filme necessário que retrata de modo fidedigno a transexualidade na adolescência enfatizando a árdua luta pelo direito à identidade. Mesmo recorrendo a certas facilitações narrativas e núcleos fragmentados, a trama atesta sua importância ao expor com primazia as inúmeras imposições enfrentadas cotidianamente por brasileiros LGBTs, cujo preconceito enraizado do povo aliado ao descaso das instituições os coíbem de ocupar espaços que historicamente sempre lhes foram negados.