Thriller deixa contexto político de lado para focar apenas na ação, mas diretor não consegue construir uma tensão satisfatória, apesar de toda a entrega do personagem principal.
Para construir um bom suspense político, uma das estratégias consagradas é utilizar o contexto socioeconômico de alguma localidade de destaque mundial como cenário, propício a intrigas e conspirações. É assim que o diretor e roteirista Fernando Cito Filomarino constrói “Beckett”, obrigando o protagonista homônimo a fugir devido a uma trama governamental em meio a protestos contra medidas de austeridade tomadas pela Grécia após a crise de 2008. Porém, diferente de espiões e heróis de ação, Beckett não faz ideia do que ou quem está em seu encalço. E infelizmente, ao final da nova obra da Netflix, parece que todos nos encontramos na mesma situação.
Tudo começa com o personagem-título, interpretado por John David Washington tirando férias no país europeu com sua namorada April (Alicia Vikander). A notícia de um protesto em frente ao hotel onde estão hospedados em Atenas lhes dá a ideia de pegar o carro alugado e passear sem roteiro pelas belas paisagens gregas. No entanto, um descuido no volante acaba causando um acidente trágico, levando April a óbito e Beckett, momentos depois de vislumbrar uma criança ruiva, a desmaiar. Após alguns trâmites burocráticos e o choque de realidade que o protagonista sofre ao retornar ao local do acidente, uma mulher desconhecida e o policial que havia tomado seu depoimento momentos antes passam a disparar contra Beckett, que inicia sua fuga em busca de contatar a embaixada americana na agora distante capital grega.
Para um filme que se vende como um thriller de fuga, a obra de Filomarino demora razoavelmente para engrenar. Primeiro há a tentativa de desenvolver a relação do casal em duas longas cenas de conversa — se precisamos nos importar com uma personagem que morre antes dos 15 minutos iniciais, que seja pelos sentimentos de quem sobreviveu, afinal, vamos acompanhá-lo até o fim do longa. Além disso, parece haver uma disputa em tela entre o tempo que Beckett leva para (tentar) assimilar a morte da namorada e os procedimentos que ele precisa passar, seja no hospital ou com a polícia, incluindo repetitivas cenas de pessoas locais tentando se comunicar com ele, com pouco sucesso. Ao menos podemos observar o impacto positivo na narrativa que a constante lembrança de April causa em Beckett, pois frequentemente lembramos que ele sequer teve a oportunidade de sofrer pela perda — gerando até gatilhos de ansiedade que alimentam ainda mais a tensão durante as perseguições.
Quando a primeira virada ocorre, dando início a fuga do personagem principal, a tensão que o diretor deseja atingir realmente chega lá. Toda a entrega de John David Washington ao retratar um personagem igualmente confuso e desesperado, literalmente correndo pela sua vida, dá fôlego ao longa. Além disso, o protagonista move-se pelas belíssimas paisagens gregas, e as tomadas abertas não só valorizam o ambiente, como também evidenciam o longo caminho que Beckett precisará percorrer em busca de segurança. Contudo, após alguns minutos e uma ou duas situações que funcionam apenas como medidores de tensão, aumentando ou diminuindo esse quesito quando convém para termos uma curva dramática aceitável, o próprio filme acaba treinando seu público a estar preparado para as próximas viradas na trama. O resultado disso é um pecado mortal para obras de suspense: repetição e previsibilidade.
E assim “Beckett” segue até o ato final, com seu protagonista em uma incansável fuga — nos levando, certas vezes, a questionar até mesmo a humanidade/mortalidade do personagem — e o contexto político inserido de forma tão rasa que sequer podemos considerá-lo. O potencial thriller conspiracional acaba pendendo unicamente para a ação, e as atitudes dos personagens em seus momentos derradeiros se apoiam em justificativas fracas (como vingança e libertação) quando, na verdade, acabam beirando à loucura. No fim, nos resta toda a entrega de John David Washington, que já ecoa como uma estrela do cinema mundial, em uma sequência de situações cujo objetivo seria causar aflição e apreensão, mas pouco aproveita o potencial tanto do gênero quanto da matéria-prima utilizada.