Um exemplo de como a interferência de produtores esmaga a criatividade artística de um diretor diferenciado, "Duna" só é interessante em algumas escolhas visuais.
Publicado em 1965, “Duna”, de Frank Herbert, é um dos marcos mais importantes da ficção científica, influenciando inúmeras obras desde então. Claro que a indústria audiovisual tentou criar suas adaptações, com uma delas sendo “Duna”, dirigido por ninguém mais, ninguém menos, do que David Lynch.
Lynch, que não esconde de ninguém seu descontentamento e desprezo pelo filme, durante a produção criou cenas extras e outras novidades que resultaram num corte de mais de quatro horas. Já ouviu falar de algum estúdio gastar uma grana enorme na produção de um longa e deixar ele ser lançado com essa duração? Pois é. A obra teve de ser reduzida para duas horas.
E a frustração de Lynch não acaba aí, enquanto tinha várias ideias sobre como tocar a obra, o estúdio cortava suas asas na hora, não financiando novas sequências e meio que sabotando a visão do diretor. A experiência foi tão ruim que ele diz que uma grande lição que aprendeu para sua carreira é a de não fazer um filme se não for ter a decisão final sobre ele.
É nítida a sensação de que o longa corre com informações vitais. Precisando comprimir uma trama enorme em apenas duas horas, narrações foram inclusas, uma introdução inicial e até mesmo um infográfico sobre as famílias e os planetas são exemplos da infindável quantidade de elementos entregues de forma expositiva vazia, fria.
Sem contar que, para economizar, um estúdio localizado na Cidade do México foi contratado, pois era perto de um deserto – para posar como o planeta Arrakis – e bem mais barato pela moeda desvalorizada da época. O problema é que esse preço também era por uma estrutura precária, com panes elétricas constantes, rede de telefone parca, uma doença que contagiou muitos trabalhadores e até infestações de baratas.
Mesmo com as tentativas de cortes no orçamento, o filme foi um fracasso de bilheteria, rendendo aproximadamente 10 milhões de dólares a menos do que custou para ser feito. Resultado de um estúdio que fez de tudo para que a versão final fosse de ação genérica, diluindo a criatividade da obra original num longa entediante e apressado.
E olha que o elenco era fenomenal. Patrick Stewart, Max von Sydow, Sean Young, Brad Dourif, Sting… eram vários nomes de peso que tentaram tirar leite de pedra (ou seria especiaria de verme?), mas é difícil entregar interpretações marcantes quando seus personagens não têm tempo de serem desenvolvidos decentemente. Junte a isso o fato de Kyle MacLachlan ser um Paul Atreides sem pulso e insosso, e não dá para embarcar na jornada. MacLachlan é um ator muito competente, mas não estava inspirado aqui.
Pelo menos, o longa consegue ser visualmente interessante, com criaturas e cenários advindos de quem tentou pensar fora da caixa. O contraste do deserto de Arrakis com o maquinário industrial dos Harkonnen, o design dos próprios vermes, e alguns figurinos são exemplos de uma atmosfera surreal, estilo bem do gosto do diretor.
“Duna”, de 1984, até tem seus méritos, mas é um fracasso como adaptação de uma obra tão relevante para a história da ficção científica e da própria cultura pop. Quem sabe uma futura adaptação com um cineasta talentoso e sem esse nível de interferência do estúdio resulte em um filme grandioso e impressionante?