Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de julho de 2021

Mestres do Universo – Salvando Eternia, Parte 1 (Netflix, 2021): será que tem a força?

Série se vende pela nostalgia, mas prova sua qualidade ao tentar levar a franquia para frente, sem deixar de enobrecer seu maior herói.

Na década de 80, “He-Man e os Mestres do Universo” era uma gigantesca febre. Criada para dar suporte à famosa linha de brinquedos lançada pela Mattel, a série animada conquistou fãs ao redor do globo e vendeu uma quantidade impressionante de produtos. Quarenta anos depois, “Mestres do Universo: Salvando Eternia”, surpreendentemente, uma continuação, chega à Netflix.

E sendo uma continuação, ela não perde tempo explicando muito sobre o passado, não. Para quem não acompanhava a animação oitentista, demora alguns episódios para entender a índole e as motivações dos personagens, mas para quem era fã, é fácil embarcar no que está acontecendo.

A parte um foi lançada em 23 de julho de 2021, com cinco episódios. Logo no primeiro, a magia quase desaparece de Eternia, ameaçando se esvair e definhar o planeta e, potencialmente, o universo. Isso faz com que antigos rivais precisem trabalhar juntos. Engana-se quem pensa que isso representa que He-Man e Esqueleto se unirão, pois a série, pelo menos nesses primeiros episódios, procura desenvolver outros personagens (perceba que “He-Man” não está no título desta vez), principalmente Teela e Maligna.

Avatares dos dois lados da moeda entre os defensores do Castelo de Grayskull e da Montanha da Serpente, ambas se veem juntas numa aventura onde precisam aprender a baixar suas defesas emocionais enquanto buscam redenção e aprendem a perdoar. Ao mesmo tempo, a série as usa para explorar Eternia, mostrando um pouco da sua sociedade, variados locais e terrenos. O espectador conhece mais sobre o funcionamento do planeta aqui.

O fato de He-Man não ser o protagonista aqui pode pegar de surpresa, mas isso não é em detrimento do herói. Pelo contrário, ele não só tem um papel vital na trama como um todo como também, em pouco tempo, ergue-se como um exemplo a ser seguido muito mais por seu espírito do que por suas façanhas físicas.

Esta série não vai contra nada da obra original, apenas procura avançá-la ao invés da repetição procedural comum de antes, em que os personagens se mantinham como sempre foram, sem desenvolvimento de qualquer arco narrativo. Neste quesito, há uma melhora significativa, resultando numa expansão do lore muito bem-vinda, que aumenta o escopo e a seriedade do que está em jogo. É notável que, mesmo com uma trama dependente de muita exposição barata para ser tocada, há a sensação de que os envolvidos na história aprendem, avançam e se desenvolvem, ações têm consequências com seu peso que influenciam em decisões futuras. Tudo isso ainda se mantendo o humor da produção oitentista, inocente e com trocadilhos o bastante para encher os salões do castelo de Grayskull.

A animação ficou a cargo do estúdio Powerhouse, o mesmo da versão animada de “Castlevania”, também para a Netflix. Eternia nunca foi tão bonita e os visuais dos personagens ganharam boa dose de qualidade. Onde a animação antiga tinha uma produção tão industrializada que resultava em quase todos os corpos terem o mesmo formato, aqui nota-se diferenças de altura, peso, rostos e cabelos, conferindo personalidade individuais a cada um. O que mais chamará a atenção dos fãs é que, finalmente fazendo mais sentido, Adam até está em forma, mas não é a explosão de músculos na qual se transforma quando ergue a espada e chama o poder de Grayskull. Antigamente, convenhamos, a mudança era apenas as roupas e o bronzeado que o herói ganhava.

O estúdio também criou boas cenas de lutas, cada uma com seu ritmo, sem a repetição infinita de frames do original. Tecnicamente, “Salvando Eternia” é uma melhoria narrativa e imersiva grande.

Destaques também devem ser dados ao fenomenal e estrelado elenco de voz, com destaque para Sarah Michelle Gellar, trazendo conflitos das complicadas emoções sentidas por Teela; Liam Cunningham – o Davos de “Game of Thrones” – com uma necessária impostação na voz para o combatente mais experiente Mentor; Mark Hamill, já famoso por seu trabalho de voz como Coringa nas animações da DC, encaixando como uma luva na boa mescla de humor e vilania do Esqueleto; e Lena Headey, que assim como era sua Cersei na série da HBO baseada nos livros de George R.R. Martin, carrega, em sua voz, arrogância e imponência, sem deixar que sentimentos passem batidos.

Outro baita destaque é a incrível trilha sonora de Bear McCreary (“The Walking Dead”, “God of War”), que eleva todos os momentos em que aparece, compensando até pontos falhos do roteiro, em que fatos grandes acontecem apressados demais.

Com um quinto episódio que termina num cliffhanger de cair o queixo, “Mestres do Universo: Salvando Eternia” é uma boa continuação nostálgica de uma série tão amada, com um potencial enorme para a segunda parte. Conhece-se mais sobre os personagens, dá importância a coadjuvantes e enaltece seu herói mais famoso. Ao procurar levar a franquia para frente e tratar de temas mais humanos e sentimentais, mostra que a força está em autossuperação e companheirismo, não só em músculos impressionantes e avantajados.

Bruno Passos
@passosnerds

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