Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de julho de 2021

Saída à Francesa (2020): dramédia que cativa

Longa estrelado por Michelle Pfeiffer e Lucas Hedges diverte tanto quanto emociona em uma narrativa povoada por personagens excêntricos.

“Saída à Francesa” retrata a jornada incomum de Frances (Michelle Pfeiffer), uma socialite de Nova York, e seu filho Mitchell (Lucas Hedges), após a fortuna dos dois acabar graças aos gastos excessivos da matriarca. Seguindo o conselho de uma velha amiga, ambos se mudam para Paris, onde tentam se adaptar à vida nova com a pouca quantia que restou dos bens que a protagonista conseguiu vender, enquanto personagens e situações cada vez mais estranhas vão povoando a vida de ambos.

O filme dirigido por Azazel Jacobs e roteirizado por Patrick DeWitt (que também é o autor do livro no qual o longa é baseado) entrega uma comédia muito bem realizada ao mesmo tempo que também apresenta uma carga dramática que faz a audiência sentir bastante por Frances. De início, é difícil se compadecer da protagonista, já que seus dilemas podem parecer incrivelmente fúteis; a mesma chega a pontuar em certo momento sobre como sua vida é um enorme clichê, e como isso no fim das contas não a incomoda. Porém a personagem que ganha vida graças a uma interpretação extraordinária de Michelle Pfeiffer consegue envolver a audiência quando fica nítido que, por baixo de uma fachada excêntrica e cheia de aparentes loucuras, reside uma mulher melancólica e insatisfeita com diversos aspectos de sua vida, muito além da fortuna que acabou de perder. No início do longa, Frances confessa que nunca economizou despesas por achar que já estaria morta antes do dinheiro acabar. Esse é o primeiro de muitos momentos que retratam a angústia que acompanha a personagem. Apesar de tentar passar uma imagem blasé, seu desespero é palpável durante toda a narrativa.

De situações em que entendemos exatamente sua loucura para outras que parecem não fazer sentido algum, e seu costume de intimidar as pessoas sem precisar falar nada, sendo apenas imprevisível, é fácil se envolver de cabeça na vida da protagonista. Lucas Hedges, que interpreta seu filho, propositalmente não se destaca tanto quanto a mãe: dá para perceber nas suas interações que ele foi criado sabendo que Frances era a estrela do show, e que ele está ali apenas para ser seu companheiro de aventuras. Uma dinâmica que se prova não tão saudável, já que Mitchell se anula de diversas maneiras para se moldar a algo que agrade o ego inflado da mãe. Mas mesmo com essa clara diferença de poder na relação dos dois, a mesma ainda rende momentos bonitos, e esse aspecto é um dos elos mais fortes do longa.

A aura lunática da história é tão fortificada durante a construção de seu primeiro ato que quando acontecimentos inicialmente insanos se desenrolam, aos poucos começa a transparecer que, na verdade, a narrativa não está fugindo nem um pouco de seu curso natural. Afinal, por que tais eventos tão fora do que é considerado normal não seriam capazes de acontecer numa história como esta? Esse feito de criar uma aura quase mística é alcançado graças à todas as performances e a estranheza dos personagens que são apresentados, a ótima trilha sonora de Nicholas DeWitt, a direção certeira de Jacobs e o roteiro de Patrick DeWitt, um ótimo texto que cria situações que levam cada vez mais os personagens secundários a se integrarem na trama principal. Entre eles, um destaque é Valerie Mahaffey como Madame Reynard, que evidencia-se em todos os momentos que está em tela.

A forma que a Paris de Jacobs é retratada na obra também chama atenção, por fazer exatamente o contrário do que é esperado: a cidade não é filmada como um grande espetáculo, exibindo monumentos históricos e locais icônicos sempre que possível. Ela não é retratada como um grande lugar exótico onde os personagens vão para esquecer seus problemas, e sim como como sua única opção, o próximo passo óbvio para ambos. As cenas com mãe e filho andando pela cidade de braços dados parecem até demais com as mesmas que se deram em Nova York no início do longa, e essa recusa de se render à representação mais comum da cidade também é fundamental para o estranhamento causado pelo filme, funcionando totalmente a seu favor.

No fim das contas, “Saída à Francesa” é uma obra extremamente competente, que na sua loucura consegue se firmar em momentos tocantes de sanidade e que tem boas mensagens para passar sobre companheirismo, o que significa ser adulto e o que de fato importa em nossa jornada pela vida.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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