A Pixar mostra, mais uma vez, que uma narrativa batida, quando bem contada, não é empecilho para um filme de qualidade.
Há quem diga que a Pixar, um dos estúdios de animação mais inovadores dos últimos tempos, por vezes acaba se repetindo em suas premissas narrativas e dando prioridade maior ao primor técnico pelo qual é tão conhecida. Não podemos dizer que esta é uma afirmação errônea, basta uma simples análise de alguns filmes do estúdio que compartilham histórias semelhantes. Mas podemos considerar que esta “falha” está longe de afetar a qualidade dos exemplares da Pixar. “Luca” se encaixa perfeitamente neste perfil.
A nova animação conta a história do personagem-título, um monstro marinho com traços humanos que vive na mesmice de ser um “pastor de peixes”. Seu sonho é emergir à superfície e fazer a transição pela primeira vez — habilidade da espécie que os transforma em humanos quando estão longe da água — permitindo-o conhecer a vila próxima dos humanos (chamados de monstros terrestres). O grande catalisador da jornada é Alberto, personagem da mesma espécie de Luca que acaba se revelando um grande amigo, responsável por ensinar habilidades básicas como andar e respirar o ar, mas também fazendo nascer um sentimento aventureiro e uma bela amizade com o protagonista.
Sair da rotina em busca do desconhecido e ir contra as regras impostas pelos pais não são exatamente novidades para quem já tem o mínimo de bagagem em filmes de animação. Contudo, devemos levar em conta que a função primordial destas obras é ser um entretenimento familiar, incluindo, principalmente, as crianças no seu público-alvo. Assim, enquanto a Pixar foi capaz de nos presentear com obras revolucionárias e cheias de conceitos e metáforas como “Soul” e “Divertidamente”, por vezes ela deseja entregar aventuras fáceis de absorver, com valores como coragem e amizade sendo colocados em primeiro plano para que qualquer um que assista seja capaz de identificá-los.
E a melhor forma que o estúdio encontrou de não se tornar repetitivo é dando vez a novos ambientes e voz a novos realizadores. Um visual atrativo e bem construído é uma parcela considerável de um bom filme, e quando se trata de animações, esse quesito é ainda mais importante. Assim, não é apenas a narrativa que vai ser lembrada no fim da sessão, mas também o folclore mexicano de “Viva – A Vida é uma Festa”, os costumes tribais do sudeste asiático de “Raya e o Último Dragão” (este da Disney Animation Studios, mas que se encaixa no mesmo movimento), ou ainda a vida do primeiro protagonista negro da Pixar no próprio “Soul”. No caso de “Luca” não é diferente. O diretor italiano Enrico Casarosa trouxe toda a nostalgia da sua infância, não apenas pela amizade nos mesmos moldes do longa com um Alberto da vida real, mas também pelas paisagens estonteantes do verão italiano.
Todo o time artístico merece parabéns pelo esmero e atenção às minúcias que “Luca” apresenta, desde as cores vivíssimas da estação até pequenos detalhes como um prato de massa com molho pesto. Mais uma vez a Pixar mostra o quanto está nas alturas quando se fala em primor técnico, pois ainda que os personagens sempre sejam estilizados (não são a representação perfeita do ser humano, e essa nem é a intenção), tudo em volta é simplesmente impecável.
A narrativa demora um pouco a engrenar. É fato que é necessário tempo para construir a amizade entre Luca e Alberto, e para isto eles possuem todo o primeiro ato do longa, e até um pouco mais. Porém, é com a ida da dupla para o vilarejo de Portorosso que toda a aventura ganha forma, especialmente com a entrada de Giulia no grupo. A personagem faz um excelente contraponto à toda idealização de Luca, além de despertar ciúmes em Alberto e levar o grupo ao que faz a história caminhar: o triatlo bastante italiano que consiste em nadar, comer massa e pedalar.
Aliando maestria técnica com uma narrativa fácil de assimilar, “Luca” possui bem mais qualidades que defeitos. Ainda que sua história seja batida, é inegável o quanto a Pixar sabe como contá-la bem, com humor na medida e sendo emocionante quando precisa. Independente da idade, amizade é uma temática mais que universal, e aqui ela é trabalhada de várias formas, mostrando pontos altos, baixos e diferentes. Mais que uma obra repetitiva, trata-se de um filme belo de corpo e alma, que certamente irá agradar toda a família.