Uma visão refrescante para uma franquia desgastada, mas que não ousa mais do que executar a receita de um thriller policial.
Há bons motivos para que “Espiral – O Legado de Jogos Mortais” não tenha sido chamado “Jogos Mortais 9”. A obra não tenta mais uma vez contorcer uma lógica já destroçada para se encaixar na linha dos anteriores. Tampouco se trata de um spin-off ou reboot, pois ainda se passa no mesmo universo em que o assassino moralista John Kramer e seu repugnante fantoche existiram. O que o famoso comediante Chris Rock e as cabeças responsáveis pela franquia trazem aqui é a volta ao básico, um simples thriller de investigação policial, só que usando a cartilha de “Jogos Mortais” como inspiração.
Entre flashbacks e sequências expositivas, o público é apresentado ao agente Zeke (Chris Rock), um detetive reconhecido por ter sacudido um esquema de corrupção policial na delegacia onde trabalha. Ao lado de um novo parceiro, o detetive William (Max Minghella), ele investiga uma sequência de assassinatos na trilha de um possível imitador do maníaco Jigsaw, que também gosta de “jogar” com suas vítimas. Tudo fica pessoalmente mais estressante para Zeke, pois os crimes parecem rondar seus colegas de trabalho, incluindo seu próprio pai e aposentado ex-chefe de polícia Marcus Banks (Samuel L. Jackson).
A cartilha de “Jogos Mortais” inclui o que todo fã conhece bem: os recados gravados com voz distorcida; um mascote arrepiante como boneco; a breve chance de escapar como redenção moral das vítimas, que não são tão vítimas assim; e, é claro, as características e intrincadas armadilhas sanguinárias. Em “Espiral – O Legado de Jogos Mortais”, os fãs também reconhecerão outras assinaturas marcantes, como a trilha de Charlie Clouser e todo o template visual da série, que inclui cenografia, montagem e fotografia – itens sob o controle de profissionais que são de certa forma donos da franquia e voltam a trabalhar aqui, como o diretor Darren Lynn Bousman e os produtores Oren Koules, Mark Burg, James Wan, Leigh Whannell e Kevin Greutert.
O roteiro é acusado por muitos de ser previsível. No entanto, se ele é previsível é porque segue regras específicas do thriller policial. Este que é dominante nas incansáveis séries televisivas procedurais do gênero. Nada mais natural então que seu público cativo saiba navegar entre péssimas atuações e frases de efeito, buscando adivinhar a próxima virada da trama. É ruim em termos de qualidade narrativa? É. Porém, são também elementos de sucesso popular reconhecido, um conjunto de clichês que servem a produtores que não querem arriscar muito. Dessa forma, “Espiral” demonstra estar mais perto de um piloto de série policial, que de um filme original como o marcante primeiro “Jogos Mortais” foi.
Como a trama gira em torno da corrupção policial, a receita “Jogos Mortais” até que cai bem aqui. A imagem do fantoche e a escolha do porco como tema visual fazem sentido pelo significado – policiais são conhecidos pejorativamente como “porcos” na língua inglesa. Já o gore característico da série é levemente suprimido. A violência e a inventividade das armadilhas ainda são impactantes, mas o terror fica mais próximo do subjetivo psicológico do que do gráfico, graças a rápidos cortes que fazem com que o horror aconteça mais na cabeça do espectador do que na tela. Essas sequências, mesmo que curtas, servem somente a fãs, porque não fazem diferença alguma para a história. Originalmente, havia a ideia de que a vítima mereceria morrer, mas ainda teria uma chance de escapar que só dependeria dela. Em “Espiral”, essa tensão não existe mais, pois se trata de uma trama de vingança.
Assim, longe de enaltecer a produção, ela está mais próxima a “Seven – Os Sete Crimes Capitais” que até mesmo de algumas sequências de “Jogos Mortais” que davam mais importância ao torture porn. No entanto, o verdadeiro terror de “Espiral” não está na violência, mas na sofrível atuação de Chris Rock. A maneira que ele interpreta algumas cenas chega a ser risível de tão constrangedora. Por outro lado, a surpresa é que esta característica acaba destacando a obra e tem potencial de elevá-la à posição de midnight movie, desses que você ri ao rever assim como o clássico “The Room” de Tommy Wiseau. Desde o original de 2004 e o primeiro twist de 2005 que os filmes não ofereciam nada realmente diferente. Aqui, temos Chris Rock, que está terrível, mas do tipo que de tão ruim fica “bom” se visto como galhofa. Para manter essa franquia atual e se adaptar à próxima década, entretanto, será preciso mais.