Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de maio de 2021

Mundo em Caos (2021): sci-fi caótico desperdiça bom elenco

Filme dirigido por Doug Liman se mostra mais uma adaptação do gênero de ficção científica que favorece a aventura rasa e pouco tem a acrescentar.

Não é de hoje que a ficção científica sofre quando é levada para as telonas (e telinhas também). Os conceitos por trás do gênero dificilmente são respeitados, transformando todas as possíveis reflexões sobre humanidade e sociedade em desculpas científicas ou technobabbles para gerar algum tipo de ação. “Mundo em Caos” é mais um exemplo desse fenômeno, com uma premissa interessante deixada rapidamente de lado em prol de uma narrativa aventuresca infrutífera e sem profundidade.

Somos introduzidos a um novo mundo colonizado por humanos após um provável esgotamento de recursos da Terra, onde conhecemos sua história através dos pensamentos do nosso protagonista Todd Hewitt (Tom Holland). Literalmente. Todos os homens da Primeira Onda de colonização foram afetados por um fenômeno que faz seus pensamentos ficarem audíveis, inclusive tomando forma, a depender da “força de vontade” do pensante. Todd cresceu como o menino mais novo de sua vila liderada pelo Prefeito Prentiss (Mads Mikkelsen), que lhe contou sobre o extermínio de todas as mulheres do local — inclusive a mãe do personagem principal — pelas mãos dos nativos.

Tem início, daí, a escalada de desperdícios a qual o diretor Doug Liman (“Feito na América”) submete seu “Mundo em Caos”. O vilarejo de Todd, Prentisstown, tem um aspecto peculiar que lembra bastante o que temos em mente como Velho Oeste — à exceção da paleta de cores, onde o sépia dá lugar a um verde inebriante, permitindo pouco contraste com o que quer que esteja inserido nele. A narrativa do assassinato em massa das mulheres pelos nativos cria, imediatamente, uma atmosfera de mocinhos x vilões contra os “alienígenas” do local, quando na verdade são os humanos que estão invadindo aquele espaço. Mas nem se empolgue, pois o filme trata isso apenas como ambientação, e sequer toca nesse assunto de forma minimamente aprofundada.

Então, quem sabe, vamos conhecer mais sobre esses seres do novo planeta, já que são capazes de sentir o ruído dos homens próximos e aparentam ter força sobre-humana. Bom, se 5 minutos é tempo suficiente para desenvolver um plot que sustente todo o filme, “Mundo em Caos” está no caminho certo. Porém, todos sabemos que não é bem assim que funciona a sétima arte. Acontece que nem esse tempo todo foi dado para retratar um pouco mais sobre o único nativo mostrado ao longo de 1h49min de duração. Sua serventia foi apenas ser mais um obstáculo na única coisa que Liman parece se importar em mostrar: a jornada do ponto A ao B de Todd ao encontrar o que ele nunca havia visto antes, uma mulher.

Esta mulher, Viola (Daisy Ridley), é a única sobrevivente de uma excursão de reconhecimento, enviada pela nave da Segunda Onda de colonização. A descoberta da existência dela (da nave, não da mulher) faz com que o prefeito Prentiss busque, a qualquer custo, evitar que Viola contate-os. Inicia-se aí uma caçada que acaba acelerando a trama para os seus finalmentes, de modo que pouco sentimos tanto o desenvolvimento dos personagens quanto a trama andar.

Em alguns casos, produções como essa até conseguem ser salvas por grandes atuações. Mas o título deste longa resume bem a confusão em que estamos metidos. “Mundo em Caos” tinha tudo para ser uma boa aposta entre os jovens, com grandes nomes de “Star Wars” e Marvel como protagonistas. Mas nem eles parecem muito interessados no que acontece por aqui, com Daisy Ridley e sua face de assustada de poucas palavras por quase toda a produção, enquanto Tom Holland até se esforça mais, mas também está longe do que exibiu em seus trabalhos anteriores, “O Diabo de Cada Dia” e “Cherry: Inocência Perdida”. Isso sem falar em nomes do quilate de Mads Mikkelsen, Cynthia Erivo e David Oyelowo, que poderiam acrescentar alguma qualidade ao longa, mas acabam estendendo a lista de desperdícios de Doug Liman.

Sabendo que se trata de uma adaptação de uma trilogia literária, é evidente que “Mundo em Caos” ainda possui história em potencial — e o final do longa reforça isso. Porém, a obra é tão introdutória que se esquece de contar uma história fechada capaz de fazer “valer o ingresso”. A forma como o Ruído é retratado é bastante bem feita e, de fato, os caminhos para uma boa narrativa estão presentes. Mas decisões ruins de roteiro e direção, aliadas a atuações pouco aplicadas, são a receita certa para o caos.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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