Spielberg dribla as falhas do roteiro e, com uma direção afiada, entrega algumas das melhores sequências de aventuras de ação da história da sétima arte.
Após o estrondoso sucesso de “Caçadores da Arca Perdida”, chegava aos cinemas o segundo filme da franquia, “Indiana Jones e o Templo da Perdição”. Entretanto, este longa se passa um ano antes do primeiro e representa a primeira vez em que o diretor Steven Spielberg fez uma continuação de uma de suas obras.
Com isso, este filme distancia seu protagonista do primeiro o máximo que pode. Nenhum outro personagem de “Caçadores” é sequer mencionado, e Indiana Jones (Harrison Ford) é jogado nesta aventura pelo acaso (ou magia?), ao invés de estar em uma missão específica em busca de um item raro.
Pegando o espectador de surpresa, a abertura é uma sequência musical que introduz a personagem de Kate Capshaw, Willie. Após sua apresentação no clube Obi-Wan (há homenagens a “Star Wars” em vários momentos), Jones aparece para fechar negócio com um rico inescrupuloso que o contratou para encontrar um artefato em troca de um raro diamante. Não demora para as negociações azedarem e começar uma boa cena de tiroteio em que o protagonista ainda precisa encontrar um antídoto.
É uma sequência eletrizante, que ainda apresenta o garoto Short Round (Ke Huy Quan, em sua estreia cinematográfica), parceiro de aventuras de Jones. Aqui já começa a ficar clara a diferença de qualidade entre esses dois novos personagens: Willie é uma péssima adição, que foi escrita como uma mulher boba, que está lá só para gritar e se apaixonar pelo protagonista. É um estereótipo horroroso que entrega um resultado fraco e que envelheceu muito mal. Pior ainda é ver as tentativas de humor que foram escritas para ela, que pode estar morrendo de medo, mas sempre empertiga quando escuta a palavra “diamante”. Já Short Round é ótimo, divertido e o ator tem química cativante com Harrison Ford, fica clara a sensação de que são parceiros há um tempo e o carinho que um tem pelo outro. Interessante descobrir que o ator foi para os testes apenas para acompanhar o irmão, mas ficava jogando conselhos o tempo inteiro e chamou a atenção de Spielberg, que gostou de sua personalidade.
Pelo menos, não dá para se incomodar muito com as péssimas falas de Willie quando a sequência de abertura dá poucos espaços para respirar entre perseguições de carros e saltos de aviões desgovernados num bote inflável. É a primeira amostra da criativa ação que virá pela frente.
O trio acaba chegando por acidente numa pequena vila na Índia, onde, por diálogos bem mequetrefes, verdade seja dita, é explicado que os homens do marajá roubaram as pedras sagradas que traziam prosperidade para a região, além de sequestrarem todas as crianças. Inicialmente relutante, Jones acaba concordando em ajudar.
Corta para a cena do almoço que, se tem exposição para dar e vender, pelo menos a tempera com o humor das comidas, digamos, incomuns que são servidas. Segue-se uma sequência que tenta misturar comédia e romance entre o casal adulto, mas sinceramente… é besta demais. Nunca se percebe a eletricidade entre os dois que o roteiro tenta vender.
Felizmente isso não demora muito e Jones acha a entrada secreta para o Templo da Perdição, e aí o filme dá um tremendo salto de qualidade. A começar pela primeira armadilha que precisam encarar com o chão repleto de insetos asquerosos, seguindo para o impressionante cenário do salão de rituais banhado por uma ameaçadora luz vermelha. Os verdadeiros vilões são apresentados.
Aqui já se nota outra diferença para “Caçadores”, o filme praticamente se passa num só lugar. E é neste momento que eles testemunham o assustador ritual mágico em que o líder do culto arranca o coração do homem a ser sacrificado. Essa foi a primeira de outras cenas no longa que fizeram história no cinema, porque a classificação indicativa dos Estados Unidos precisou criar uma nova categoria. Havia a PG (parental guidance), que era branda demais para esta produção; e a R (restricted), que era severa demais. Inicialmente classificado na primeira, logo pais de crianças horrorizados por cenas como a descrita acima reclamaram muito, e todo o debate levou Spielberg a sugerir uma categoria intermediária, a PG-13 (parents strongly cautioned), que determina que a obra é imprópria para menores de 13 anos. Esta última se tornou o padrão de Hollywood por muitos anos, sempre em busca de maior bilheteria que abranja adolescentes e adultos.
A partir desta cena, Spielberg enfia o pé no acelerador, dribla o roteiro meia boca e entrega sequências ininterruptas da mais criativa ação. Jones luta com um grandalhão (que aliás, foi o mesmo ator com quem ele lutou perto do avião em “Caçadores”), Short Round toma a iniciativa e vai para a luta e tudo acaba num carro de mina. Tudo num cenário maravilhosamente bem feito, com maquetes imperceptíveis, efeitos práticos de primeira, John Williams brilhantemente destilando seu talento musical, e inventivos momentos de ação. Spielberg sabe onde colocar a câmera o tempo todo, permitindo não só o acompanhamento de vários acontecimentos simultâneos sem confusão alguma, mas também brincando com posicionamentos que aumentam a adrenalina – a câmera por trás de Jones quando ele está pendurado deslizando até o carro é fenomenal.
Aí acontece a perseguição de carros de mina, que por si só já é incomum. Spielberg não desperdiça a chance a filma o melhor vídeo POV (ponto de vista) de montanha-russa já feito. A sensação de velocidade é nítida, há tiros, facas, socos, trilhos que se cruzam em momentos inoportunos e muito mais. A adrenalina do espectador dispara mesmo com ele sentado em seu sofá. “Templo da Perdição” parece ser o filme com ritmo mais frenético de toda a franquia, que poucas vezes foi tão brilhante na ação da aventura. Spielberg esbanjou seu talento aqui.
Mesmo com a boa direção, Spielberg já admitiu algumas vezes que este é o capítulo da franquia que menos gosta, chegando a dizer que só valeu a pena porque conheceu sua esposa (Capshaw). Ele considerava o filme sombrio demais e as tentativas de injetar humor muitas vezes destoam. Há um caso a ser debatido sobre como o diretor lidava com violência em seus trabalhos antes e depois deste, que foi severamente criticado por este elemento. A verdade é que ela não é gratuita aqui, mas sim imersiva. Quando o coração arrancado se junta a outros elementos, a sensação de perigo aumenta, por sua vez realçando os feitos heroicos dos personagens, pois seus oponentes eram, de fato, uma grande ameaça.
É uma pena o filme ter um roteiro que não faz jus à direção de Spielberg, que estava em grande forma. Apesar de uma personagem rasa e irritante e alguns diálogos narrativamente preguiçosos, poucas vezes ação e aventura tiveram uma trilha sonora tão marcante, cenários fabulosamente inventivos e um ritmo deliciosamente frenético. “Indiana Jones e o Templo da Perdição” pode não ser o melhor capítulo desta franquia, mas chicoteia adrenalina na espinha do público.