Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de maio de 2021

Anônimo (2021): um surpreendente herói de ação

Mergulhando sem dó nas inspirações de filmes de ação como "John Wick", este longa não reinventa a roda quando se fala em cinema de ação, mas é divertidíssimo, engraçado e revela uma inesperada estrela do gênero com Bob Odenkirk.

Um homem aparentemente pacato e inofensivo, levando uma vida comum nos bairros suburbanos dos Estados Unidos, percebe que sua família está cada vez mais afastada dele. Tocando sua maçante rotina sem muita energia, ele de repente precisa lidar com dois ladrões que entram em sua casa. Os resultados levam o espectador a descobrir que há muito sobre o passado do protagonista que está escondido há anos, sendo ele apenas um “Anônimo”.

A direção de Ilya Naishuller (“Hardcore: Missão Extrema”) acerta na representação de como a rotina do protagonista faz com que os dias passem sem nenhum destaque. Para tal, há uma linguagem de videoclipe musical para uma montagem que enfatiza a repetição enfadonha dos fatos, mas com uma narrativa dinâmica para entreter o espectador. Logo após o assalto domiciliar, pessoas ficam insinuando que o protagonista é medroso e incapaz, subestimando a figura de um homem que, quando o caldo entorna, deixa sair uma agressividade que há muito estava latente, lançando-o numa trama onde ele acaba sendo alvo de um poderoso criminoso russo.

A premissa inicial parece querer focar no drama, mas logo se revela uma desculpa para um divertidíssimo filme de ação com coreografias incríveis e violência desenfreada. O roteiro não perde tempo em deixar claro que não se leva a sério, e isso só ajuda o público a mergulhar na proposta lúdica do longa. Com produção de David Leitch, que vem de trabalhos de ação como “Atômica” e “Deadpool 2”, “Anônimo” não procura reinventar a onda de lutas com coreografias elaboradas com armas, ângulos mais amplos e tomadas mais longas. Com roteiro de Derek Kolstad, responsável pela franquia “John Wick” (onde Leitch também trabalhou), esse filme praticamente copia os outros mencionados, mas é uma cópia muito bem feita.

Grande parte do carisma do filme vem de seu ator principal. A mescla de homem comum tido como incompetente com suas habilidades latentes de causar dor achou sua estrela de ação na figura improvável de Bob Odenkirk (o Saul de “Better Call Saul”). O artista encaixa bem na figura inicial, mas surpreende quando precisa se valer de sua fisicalidade para levar o espectador a comprar que aquele é um personagem que pode, sem dúvida, matar outros com bules de chá e cintos de segurança.

Odenkirk traz o carisma certo para as cenas, onde até um repetitivo recurso de câmera lenta com música pop sempre atinge o humor pretendido. Sua idade é representada em seu personagem, que é muito habilidoso, mas sente o peso dos anos. Há também um bom uso de efeitos sonoros, realçados pelas escolhas corretas de quais momentos precisam de música e quais devem deixar os golpes e gritos de dor vindos deles preencherem os ouvidos. Uma ótima surpresa aqui é rever Christopher Lloyd (o Doc Brown de “De Volta para o Futuro”), não só pela sua eterna presença cativante e nostálgica, mas também porque vê-lo assassinar criminosos brutalmente é outro elemento que faz “Anônimo” ter o tom certo de comédia temperando a ação.

Sem tanta preocupação em se tornar uma obra inesquecível, o antagonista do filme acaba sofrendo por sua ótima cena de apresentação não render bons frutos adiante, se revelando um vilão caricato que serve apenas para Odenkirk derrotar. Não há também profundidade o bastante para que se crie um vínculo significativo com a família do protagonista, que acaba como uma simples subtrama de apoio. Entretanto, essa mistura de “John Wick” com “Esqueceram de Mim” é entretenimento de ação de alta qualidade. Com surpresas no elenco e boa direção nas coreografias de luta, “Anônimo” causará risadas e injeções de adrenalina.

Bruno Passos
@passosnerds

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