Movido pela interessante história dos cowboys do asfalto, este drama conquista com sua doce mensagem sobre família e a busca de indivíduos por um lugar ao sol.
Abordada com frequência no cinema, streaming e derivados, a narrativa do amadurecimento acabou se tornando um subgênero e com ela veio também uma estrutura formulaica muitas vezes difícil de desviar. E quando falta inventividade para escapar da fórmula, o segredo então é se divertir com ela e tentar seguir por um caminho que ao menos a torne relevante. Se por um lado, “Alma de Cowboy“, filme lançado pela Netflix, vê sua trama central amarrada à previsibilidade de sua narrativa coming-of-age (como dizem os americanos), olhando por outro prisma, o pano de fundo da produção tem uma proposta de ir mais além, soprando certo frescor e despertando interesse pela história real e específica que decide contar. Uma história que vem no tempo certo para dar voz a uma minoria e seu estilo de vida aparentemente anacrônico, mas curioso e destemido a ponto de fazer o público simpatizar.
Baseado no romance “Ghetto Cowboy”, de Greg Neri, o roteiro de Rick Staub e Dan Walser nos apresenta ao temperamental Cole (Caleb McLaughlin), jovem de Detroit que, após se meter em seguidas encrencas na escola, é levado pela mãe até a Filadélfia para passar as férias de verão ao lado do pai, o rústico Harp (Idris Elba). Num lugarzinho marginalizado pela sociedade, o garoto se depara com uma comunidade de Cowboys Urbanos que passam os dias cuidando de estábulos e cavalos. Lá, Cole vai aprender os caminhos para tomar as rédeas do próprio destino, lidando com a crueldade das ruas e as lições ensinadas pela nova família. Sem o cinema, certas histórias jamais veriam a luz do dia e morreriam junto com seus personagens. A trajetória de Cole é comum, mas graças a ela, é possível conhecer um pouco mais sobre uma cultura escondida nos cantos mais pobres dos EUA.
Conhecidos como Cavaleiros das ruas, por andarem a cavalo pelo asfalto com seus imponentes chapéus de cowboy, essas figuras surgem como nômades renegados que lutam para manter vivo um patrimônio que os homens brancos e os gigantescos edifícios insistem em empurrar para além dos limites da cidade, uma intenção capturada de maneira precisa pela direção num rápido establishing shot. Essa mesma direção é hábil em retratar com sensibilidade e um tom anacrônico o dia a dia dessa comunidade negra, comprovado pelas conversas alegres ao redor de uma fogueira e os churrascos que evocam o clima familiar que envolve o lugar. Ainda assim, a câmera não deixa de registrar a verdadeira face de onde estão todos inseridos. Ruas escuras – fotografadas com frieza -, controladas por traficantes e uma atmosfera cheia de promessas para aqueles que buscam uma saída fácil da pobreza.
Mesmo com um subtexto forte, não significa que os obstáculos que moldam a personalidade do protagonista sejam descartáveis. Embora já vistos diversas vezes com outra roupagem, o caminho percorrido pelo jovem é árduo e merece reconhecimento, ainda mais por estar inserido nesse universo peculiar. Interpretado com extremo afinco por Caleb McLaughlin (o Lucas de “Stranger Things“), Cole passa por um amadurecimento necessário e natural, repleto de mentores e diálogos importantes para a sua jornada de transição. Desde a emancipação forçada, às amizades duvidosas, passando pelas perdas e conselhos, até a convivência conflituosa com o pai, este vivido por um Idris Elba mais contido, porém comprometido em colaborar com o crescimento do filho. Sua presença preenche qualquer mise-en-scène e a relação entre pai e filho ganha contornos comoventes e bastante admiráveis.
Tratando-se de um longa em que os Cowboys são os personagens principais, não poderia faltar uma menção, ainda que sutil, dos faroestes. Sob a batuta de Kevin Matley, o som urbano se mistura com os acordes do western, resultando numa trilha sonora que lembra um pouco o gênero western. Essa rima também surge na primeira vez em que Harp e Cole se encontram, e rapidamente a direção concebe um plano em que ambos se encaram como dois inimigos prontos para sacar a pistola. Pautado por atuações empenhadas e ações calculáveis que, se não chegam a prejudicar o engajamento com o filme, servem para minimizar seus efeitos, a verdadeira “Alma de Cowboy” se encontra no relato no qual se baseia. Uma história que, ao final, conta com depoimentos bonitos de alguns Cavaleiros reais que emprestam sua vivência para dar força à narrativa e elevam ainda mais a luta para manter o legado aceso.