Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 31 de março de 2021

Riqueza Tóxica (2018): admirável ficção científica

Estrelado por Pedro Pascal, este drama futurista carece de um conteúdo mais robusto, porém mostra que é possível ser interessante sem cair nas armadilhas do espetáculo.

A ficção científica é um terreno fértil, que independe de um orçamento robusto ou pirotecnia para impactar o espectador. Felizmente, bons filmes ainda surgem de boas ideias, e que mesmo sem o amparo de um estúdio renomado, são um prato cheio quando colocadas em prática por gente criativa. “Riqueza Tóxica” é prova disso. Lançado em 2018, o longa passou despercebido na época, e encontra agora na Netflix um lugar para ser visto. Longe de ter a mesma ambição e as ferramentas caras de um “Gravidade” ou “Interestelar“, essa ficção científica de baixo custo sobre uma viagem a um planeta desconhecido, com grande parte de sua narrativa centralizada num mesmo ambiente e com a maioria do elenco composto por atores que não figuram no mainstream – exceto por Pedro Pascal -, conta com uma direção criativa e observadora para dar a sua tímida história um desenvolvimento honesto, às vezes moroso, mas bem intrigante.

O roteiro escrito pela dupla Christopher Caldwell e Zeek Earl, a partir da expansão de um argumento que ambos fizeram para um curta-metragem de mesmo nome, relata a viagem de Cee (Sophie Thatcher) e seu pai Damon (Jay Duplass) até uma remota lua alienígena com o objetivo de colher valiosas riquezas naturais presentes nas florestas tóxicas do lugar. Mas, assim como eles, existem outros caçadores perambulando por ali, o que rapidamente transforma o trabalho da adolescente e de seu pai numa luta pela sobrevivência. Forçada a lutar não apenas contra os outros habitantes implacáveis ​​da floresta, a jovem também precisa enfrentar o julgamento ganancioso de seu próprio pai, levando ela a descobrir que deve trilhar seu próprio caminho para escapar. A sinopse sugere uma história complexa, mas a verdade é que o filme sofre com sua falta de conteúdo enquanto se destaca por sua inventividade.

Resultado da intenção de seus diretores de “esticar” o argumento de um curta de 14 minutos, não é de se espantar que a obra se perca ao tentar prolongar sua história. Isso é sentido ao longo da narrativa excessivamente contemplativa, que funciona em alguns momentos nos quais a protagonista surge pensativa, buscando entender o seu destino naquele lugar estranho, porém, em outras situações o espectador vai sentir o marasmo causado pelo roteiro inchado de cenas dispensáveis que leva a crer que não se sabe onde o filme deseja chegar. Em meio a uma inconsistência no texto, a introdução de rosto conhecido como o de Pedro Pascal, dando vida a um vilão carismático e com nuances convincentes, é um atrativo interessante não só para o longa em si, mas também para a jovem Cee, com quem estabelece uma dinâmica amigável e coberta de desconfiança, o que torna muito curiosa de assistir.

Se o roteiro acaba pecando com a falta de ideias para desenvolver a trajetória dos personagens, a direção faz um ótimo trabalho ao explorar cada canto do planeta alienígena. Auxiliada por um design de produção hábil para imaginar um lugar que aos olhos do público parece familiar (com florestas e matas) e ao mesmo tempo gera certa sensação de solidão e estranhamento, a dupla de diretores mergulha a câmera naquela atmosfera, captando belas imagens e provocando um olhar mais contemplativo sobre algumas cenas. Por vezes, é lindo perceber a sensibilidade com a qual os realizadores enxergam o universo fictício que estão filmando, reforçado também pelo olhar dos personagens e a trilha sonora serena que permeia quase toda a narrativa. Outro ponto de destaque da produção envolve a nave espacial e os trajes dos exploradores. Ambos parecem ultrapassados perto de uma iniciativa moderna, conferindo um ar distópico sobre a terra sem que a vejamos.

O longa ainda reserva um pequeno espaço para apresentar ao público tribos intrigantes – uma espécie de renegados – que habitam o planeta e que se parecem com os próprios intrusos. Sem reviravoltas significativas, “Riqueza Tóxica” segue a rota de um thriller de ações pontuais, demonstrando uma preocupação maior com a jornada de Cee e a relação com o vilão interpretado Pedro Pascal. Isso pode causar decepção para quem espera grandes acontecimentos, mas não irá decepcionar aqueles que sabem admirar uma produção bem intencionada ao focar a verdadeira ação nas atitudes dos personagens e suas reações aos obstáculos que encontram pelo caminho e que surgem para moldar a personalidade deles. Diferente de outras viagens pela galáxia, o filme tem sua força e também sua fraqueza na simplicidade da narrativa, ora consumida pela admiração ora perturbada pela pouca ambição.

Renato Caliman
@renato_caliman

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