Com um visual deslumbrante e uma protagonista extraordinária, a nova e empolgante aventura de ação da Disney é de encher os olhos e dar saudades das telas de cinema.
É gratificante observar o quanto o nível técnico e artístico das animações em longa-metragem vem crescendo exponencialmente nos últimos anos, seja pelo avanço das tecnologias digitais, seja pela qualidade invejável dos roteiros complexos e temáticas ousadas abordadas a cada nova produção. “Raya e o Último Dragão” consegue se encaixar em ambos os parâmetros, consolidando cada vez mais o arquétipo da “princesa guerreira” no hall de filmes da Disney, e apresentando um visual tão deslumbrante que causa suspiros de saudades das telonas dos cinemas.
Fracasso. Egoísmo. Confiança. União. O longa sabe bem os sentimentos que deseja transmitir, mas talvez a mensagem seja direta demais, mesmo pensando no público infantil. A dinâmica do “mostrar em vez de falar” se perde levemente no início, e o que vemos são alguns diálogos repetitivos sobre a necessidade de confiar e permitir segundas chances. Porém, levando em conta o momento atual do nosso mundo, essa repetição talvez seja até mais necessária do que cansativa.
Quando a ganância dos povos de Kumandra ultrapassa a vontade de vencer as forças do mal (conhecidas com Drunn), a poderosa Joia do Dragão é partida em pedaços, e cabe a Raya reuni-la e devolvê-la à lendária Sisu, última dos dragões, para restaurar o equilíbrio do mundo. A introdução, com a animação dividida em parte estilizada, parte funcionando como um prólogo do filme, pode ser considerada lenta ou excessivamente cuidadosa. Mas ela é, acima de tudo, essencial para estabelecer as raízes dessa mitologia, baseada na diversidade dos povos do Sudeste Asiático. E, nesse quesito, a Disney mostrou ter extremo cuidado ao respeitar essa pluralidade e fugir dos estereótipos – além de nos dar a primeira protagonista com ascendência sul-asiática, e dublada por alguém como ela, a atriz Kelly Marie Tran. O visual extraordinário é responsável não só por nos deixar de boca aberta com sua riqueza de detalhes, mas também por evidenciar as particularidades de cada nação, tornando-os únicos.
Porém, o grande destaque de “Raya e o Último Dragão” é a forma como ele evita se apoiar na fórmula das animações da Disney e acaba pendendo para algo mais voltado para ação, com uma pitada de intriga política (explorada superficialmente), e sem números musicais ou um grande espaço para os coadjuvantes roubarem a cena. Não que seja difícil se apaixonar por Tuk Tuk ou pela gangue liderada pela Baby Noi, mas o roteiro deixa bem claro que Raya é a protagonista, e é na sua jornada que devemos focar. Tanto que, em certos momentos, os alívios cômicos que os personagens secundários proporcionam parecem deslocados demais do restante da trama, quase como uma necessidade de fazer rir só por se tratar de um filme voltado para o público infantil.
O próprio mal é retratado de formas diferentes. O Drunn, fundamentado no conceito de um “medo paralisante”, propositalmente não é aprofundado. Já Namaari (Gemma Chan) é retratada como uma verdadeira dualidade de Raya, funcionando muito mais como inimigas em busca de realizar propósitos diferentes, do que, necessariamente, uma disputa entre bem e mal – além de protagonizarem grandes cenas de luta, dificilmente vistas em qualquer outra produção do estúdio. Esta é uma forma madura do roteiro mostrar que todos os conflitos e problemáticas de Kumandra são causados pelos humanos e suas disputas de poder.
Raya é uma princesa independente e forte, marcada por uma traição que destroçou a sua vida. Ela se mostra obstinada e capaz de qualquer coisa para atingir seu objetivo, uma vez que, além do desejo de restaurar o equilíbrio do mundo, ela anseia por ter o próprio pai de volta. Sua trajetória e carisma empolgam muito, provando que é possível agradar aos adultos tanto quanto às crianças sem mergulhar em complexas metáforas. E a sintonia entre Raya e Sisu (Awkwafina) é incrível, aliando as experiências de alguém com cicatrizes profundas com a ingenuidade e a pureza de alguém que desconhece as imperfeições humanas. No terceiro ato, vemos ambas defendendo suas visões de mundo até o fim, e a forma como as coisas se desenrolam acaba mostrando que nem sempre existe o certo e o errado, mas sim ações e suas respectivas consequências – mas o filme ainda tem crianças como o principal público-alvo, então essa reflexão para por aqui.
Apesar do ritmo cauteloso do início, quando “Raya e o Último Dragão” engata, é impossível pará-lo. O filme aposta em sua protagonista carismática e poderosa, colocando-a em uma aventura de ação inédita para os padrões Disney, mas sem esquecer de divertir a família e trazer uma bonita mensagem sobre confiança, respeito e comunhão entre os povos. A obra presta uma linda homenagem para o Sudeste Asiático, e um belo serviço para todo o mundo.