Kathryn Newton e Kyle Allen estrelam um romance com viagens no tempo que abraça muito mais que os ingredientes conhecidos para contar uma história com tom original.
Coincidências. Lançado um ano após “Palm Springs“, “O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas” pode parecer inspirado pela comédia romântica sobre um casal preso no tempo, mas produções cinematográficas são mais longas e complexas do que parecem ser. Como o universo. Baseado num conto de Lev Grossman publicado em 2016, o filme da Amazon Prime Video mistura rom-com juvenil, drama de maturidade e a tão famosa combinação de crises existenciais com ficção científica.
Dirigida por Ian Samuels (“Sierra Burgess é uma Loser”) e adaptada às telas pelo próprio Lev Grossman, a obra reconhece a estrutura banalizada de viagens temporais ao fazer múltiplas referências a diversos filmes e séries deste subgênero. Só não menciona “Palm Springs” porque foram produzidos simultaneamente, mas suas coincidências não terminam no casal protagonista. Aqui também há a fotografia pastel fantasiosa e a locação como personagem – no caso uma pequena cidade típica do Alabama.
Falando no casal protagonista, Mark (Kyle Allen) é um adolescente de 17 anos preso num loop temporal. Seu dia começa imediatamente após sua mãe sair para o trabalho e termina à meia-noite para logo então reiniciar em sua cama. Assim como o personagem de Andy Samberg no filme parecido, Mark começa seu arco tão consciente da “anomalia temporal” que não só já memorizou os eventos do dia, mas navega por eles com o charme e confiança do jovem bonitão solitário. Não à toa as sequências coreografadas lembram Ansel Elgort fazendo personagens semelhantes em “Baby Driver” e “A Culpa é das Estrelas“. É um tipo comum nos romances contemporâneos voltados para jovens que Kyle abraça muito bem e em perfeita química com a estrela Kathryn Newton.
Kathryn interpreta Margaret, uma garota que também vivencia a mesma “anomalia temporal”, para a surpresa de Mark quando a encontra. E as coincidências com “Palm Springs” começam a acabar por aqui, porque não há melhor metáfora para representar as angústias adolescentes que um dia que se repete eternamente. A propósito, aqui a fantasia adentra territórios mais próximos de Charlie Kaufman e seus “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” e “Estou Pensando em Acabar com Tudo” pelo nível de introspecção dos personagens e como eles se relacionam com o surreal.
A fórmula da comédia romântica em que “garoto encontra e perde garota” está melhor concentrada no segundo ato, mas o que envolve o drama do filme são questões mais existenciais que amorosas. Mark se esforça para se conectar com alguém, mas permanece emocionalmente afastado da família e dos diversos personagens que habitam seu mundo como “sonâmbulos” ou “zumbis” na sua perspectiva. Apesar de conseguir observar tudo que há de perfeito na cidade, ele ainda não entende como se encaixar, da mesma forma que não consegue resolver seu cubo mágico.
Margaret também está perdida e, como Mark, não consegue resolver pequenos problemas, como encontrar um cachorro perdido ou aprender a dirigir. Sendo adolescentes em breve adultos, ambos questionam suas aptidões sem a menor chance de prever como será o amanhã, já que sobrenaturalmente o amanhã nunca acontece. É uma metáfora que representa muitos que passaram pela adolescência com as mesmas questões: o tédio de um dia após o outro em que nada acontece e ninguém os entende. Nessa expressão fantasiosa de conflitos internos é que “O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas” conversa com as obras não lineares de Charlie Kaufman apesar de entregar a forma inocente das histórias para adolescentes de John Green ou Nicola Yoon. No cinema, tal forma inclui sequências musicais com trilha inspiradora e aqui não é diferente.
A maneira em que os arcos dos protagonistas se concretizam é a última coincidência com “Palm Springs“, pois a importância mútua do par romântico não é a exatamente a que se espera ser, assim como os motivos dos desencontros. A “chave” para a resolução dos conflitos de Kyle está em Margaret e vice-versa, mas ambos percebem a eternidade dos dias intermináveis por questões distintas. O relacionamento amoroso faz parte da fórmula e talvez seja o motivo que atraia mais espectadores para o filme, porém o romance não é o principal atributo de “O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas”.
Ainda que fale sobre questões mais profundas do que parece, a estética do mundo perfeito (que uns chamam de “mar cor de rosa” e outros de “problemas de gente branca”) traz uma fantasia mais escapista que a própria ficção científica na qual o filme busca inspiração. Está na proposta do filme e assim o enquadra no gênero híbrido de romances sobre viagens no tempo. No entanto, ao trazer uma camada de drama de maturidade e outra de diálogos introspectivos perfeitamente entregues pelo casal de estrelas, “O Mapa das Pequenas Coisas Perfeitas” ganha um pouco mais de corpo e se eleva como integrante desse gênero. É então diferente de “Palm Springs” apesar do que diz a primeira impressão e ainda pode ser comparado elogiosamente às obras de Charlie Kaufman, encontrando lugar próprio ao lado de outros romances fantásticos como “Questão de Tempo” e o anime “Your Name“.