Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 09 de março de 2021

Os Pequenos Vestígios (2021): um mistério perdido entre ideias vazias

John Lee Hancock tentou emular como seria um filme que misturasse "Se7en - Os Sete Crimes Capitais" e "Zodíaco", mas só conseguiu criar um amálgama de caricaturas do gênero de serial killer.

O grande problema de certos projetos pessoais de alguns diretores é quando eles demoram demais para sair do papel. John Lee Hancock (“Fome de Poder”) passou cerca de 30 anos desenvolvendo o roteiro de um filme sobre um serial killer misterioso e um policial atormentado, que veio a se tornar “Os Pequenos Vestígios”. Mas todos esses anos elaborando o projeto fez com que Hancock se perdesse nas próprias referências.

Em “Os Pequenos Vestígios”, Denzel Washington é Joe “Deke” Deacon, delegado adjunto do condado de Kern que é enviado a Los Angeles para ajudar na coleta de provas de um assassinato. Entretanto, ele percebe que se trata de um assassino em série, e o delegado do Departamento de Polícia de Los Angeles Jim Baxter (Rami Malek) convida Deke a ajudá-lo extraoficialmente no caso. O que Baxter não contava, entretanto, é que a busca pelo criminoso fosse despertar um passado que Deke tentou enterrar, e um suspeito em particular (Jared Leto) passa a bagunçar a resolução do caso e também mexe com o ego dos dois policiais.

Por ser um projeto pessoal do diretor, é notável que ele bebeu da fonte de outras histórias pulp e filmes sobre serial killers dos anos 1990 e 2000. Talvez a referência mais óbvia neste longa seja o trabalho de David Fincher: é muito difícil não ver “Os Pequenos Vestígios” como um híbrido de  “Se7en – Os Sete Crimes Capitais” e “Zodíaco”, mais para o mal do que para o bem. Enquanto Fincher, conhecido por seu perfeccionismo, consegue dosar mistério e complexidade nas tramas policiais que se propõe a fazer e adaptar para o cinema, Hancock se perde numa ambientação sombria e cortes confusos de câmera para tentar passar o ar de suspense, esquecendo, assim, de desenvolver seu filme de uma forma que não fique irritante.

E não é de hoje que Hancock demonstra ter problemas para realmente aprofundar as questões que aborda em seus projetos autorais e roteiros. Responsável por escrever filmes como “Um Sonho Possível” e “Branca de Neve e o Caçador”, o cineasta passa a impressão de que deixou a verdadeira substância do longa no meio do caminho, e com “Os Pequenos Vestígios” não é diferente. Washington, apesar de carregar o carisma e o mistério do filme nas costas e construir uma química minimamente interessante com Malek em cena, não pode fazer milagre com a trama, que foi desenvolvida com interesse maior em aplicar vários plot twists no decorrer do filme do que realmente instigar alguém a se interessar pelos assassinatos que os protagonistas tentam resolver.

Eis que chega Jared Leto no papel de Albert Sparma, também conhecido como mais um louco para a lista de personagens perturbados pelos quais ele se interessa. Leto realmente sabe como interpretar lunáticos e pessoas pouco confiáveis ao ponto que Sparma parece uma versão sem maquiagem do Coringa, já vivido (de forma embaraçosa, diga-se) pelo ator em “Esquadrão Suicida”. É por isso que tudo em seu personagem parece muito óbvio e caricato – como se já não bastasse os papéis de Washington e Malek serem versões noir dos protagonistas do gênero buddy cop (Deke é o policial racional; Baxter é o delegado esquentadinho) -, ele é obviamente uma pessoa ruim e suspeita, mas que brinca de advogado do diabo com os delegados para tentar deixar a polícia louca.

No fim das contas, o longa se entrega a um moralismo oco, tentando pregar uma peça sem graça com sua conclusão só para dizer que o ego é o que mata o homem, mas sem a complexidade que as circunstâncias apresentadas ao longo da trama pedem. E, considerando a fonte da qual Hancock bebeu, “Os Pequenos Vestígios” tinha potencial de ser um filme de serial killer com uma premissa interessante e uma conclusão que fosse além do óbvio. Porém, o máximo que consegue é ser um amálgama de caricaturas do gênero, fazendo com que uma boa ideia se perdesse no caminho.

Jacqueline Elise

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