Filme é um retrato forte de uma briga em uma relação com mais espinhos do que flores, acumulando grandes atuações, mas com problemas de ritmo e roteiro.
Poucos são os casos de sucesso em Hollywood, de estrelas mirins após perderem o status de infantil. Mas podemos afirmar com segurança que Zendaya é um desses casos. A atriz, a mais jovem a receber um Emmy de atuação, se aproveita da inexistência de elenco de apoio em “Malcolm & Marie” para, ao lado de John David Washington, entregar uma atuação primorosa como uma das personagens-título.
Para conseguir esse resultado, o diretor e roteirista Sam Levinson retoma a parceria com Zendaya iniciada na série “Euphoria”, unindo a ela outro nome em ascensão em Hollywood. Ambos formam o casal que, sozinho, dá nome e vida a esta obra da Netflix. A trama se inicia quando eles voltam para casa após a première de um filme de esperado sucesso dirigido por Malcolm. Ele canta, dança e exala felicidade, enquanto ela definitivamente não compartilha da euforia do parceiro. É aí que uma “pequena” fagulha estoura uma bomba de tensões acumuladas, o que nos leva a testemunhar um interminável bate-boca.
Levinson deseja transformar o seu filme em um registro fiel de uma discussão acalorada, e para isso não mede esforços. A imagem em preto e branco, os movimentos de câmera, o ambiente confinado com as redondezas aparentemente inóspitas, os diálogos ríspidos… tudo colabora para que a experiência seja bastante imersiva.
É possível mergulhar nessa discussão – especialmente se você já passou por algo parecido em um relacionamento -, e a experiência torna-se visceral, uma vez que cada um se desnuda de qualquer filtro e dispara torrentes de reclamações repletas de ressentimento e traumas para com o outro. Por esse ângulo, “Malcolm & Marie” se mostra um retrato cru e real de uma relação com mais espinhos do que flores, embora acabe pecando pela verbosidade desnecessária em certos diálogos, que em certos momentos até nos tiram do filme.
Por outro lado, o espectador que se mantém alheio ao bate-boca acaba sendo colocado na posição de voyeur do casal-título, seja como um vizinho fuxiqueiro que anseia por cada detalhe, seja como um amigo do par, desconfortável ao ser forçado a presenciar tal conflito. Independente de qual seja sua reação, uma coisa é certa: toda a sorte de tensões físicas, mentais, sexuais e tudo mais que Malcolm e Marie descarregam um sobre o outro serão sentidas. Isso se dá tanto pelas excelentes atuações dos protagonistas, quanto pelo roteiro, que faz questão de apelar para cada sentimento denso que possa ser assimilado de uma briga.
Em comum a todas estas sensações, está o cansaço sentido após 106 minutos facilmente reduzíveis. Levinson nos tem na mão a todo momento, controlando qualquer resquício de informação anterior a esta fatídica noite a que temos acesso. Porém, ao invés de dosar esse conhecimento, o diretor/roteirista acaba se esquecendo da tão falada regra do “menos é mais”. Faltou escolher as palavras e os momentos certos, além de trabalhar melhor o silêncio quase inexistente nesse constante jogo de peteca – em que quem a segura, fala até cansar antes de devolver a palavra, o que propositalmente muda constantemente a opinião do espectador sobre quem merece vencer a contenda.
Inclusive, alguns desses monólogos sequer dizem respeito ao casal, mas sim às críticas e outras situações referentes ao filme de Malcolm. Embora seja divertido ver a picuinha entre o diretor e os críticos de cinema, o discurso em si parece um tanto deslocado da história principal – especialmente quando Malcolm surta ao ler uma crítica publicada, que rende talvez a cena mais cômica da obra. Claro que uma longa duração focada em uma única situação logo se desgastaria, mas é provável que essa fosse exatamente a forma mais eficiente de fazê-lo. Assim, evitaria os vários estancamentos que ocorrem após os longos monólogos serem finalizados.
A verdade é que “Malcolm & Marie” se perde um pouco no seu próprio desejo de ser profundo. Mas a sua complexidade não vem de personagens elaborados, situações ásperas ou temáticas espinhosas como relacionamentos abusivos ou responsabilidade afetiva. O que a obra consegue fazer é despertar, em cada um que a assiste, lembranças – reais ou pré-fabricadas – do pandemônio de emoções que se sente em uma discussão amorosa. E ainda que por vezes a produção se perca (ou perca alguns espectadores pelo caminho), é um filme que faz sentir.