Verdade seja dita: Maisa é um fenômeno de carisma como raramente visto na história do Brasil. E “Pai em Dobro“, sua estreia na plataforma Netflix, é mais uma prova deste talento. Dirigida por Cris D’Amato a partir de uma história de Thalita Rebouças, a produção reúne qualidades que compensam a modéstia na estrutura da narrativa e na textura televisiva. Em outras palavras, o bolo é simples, mas a cobertura é extraordinária.

A estrela interpreta Vicenza, uma jovem nascida e criada em uma comunidade alternativa no interior do Rio de Janeiro. Sua mãe, Raion (Laila Zaid), parte para a Índia após Vicenza completar 18 anos, sendo a desculpa perfeita para a garota viajar sozinha e em segredo para a capital à procura do pai desconhecido. Esta trama é uma comédia aventuresca clássica do “peixe fora d’água” em busca de completar sua identidade, que arrisca comparações com a história de “Mamma Mia” uma vez que o título adianta que a protagonista encontrará mais de um pai na sua jornada.

Duas decisões foram essenciais para o resultado de “Pai em Dobro”. Primeiro, o clima da obra. Desde o vilarejo utópico onde mora Vicenza até uma versão limpa do Rio de Janeiro, ambos quase saídos de um conto de fadas, a atmosfera criada por Cris e sua equipe artística é visualmente rica e consistente com o tom da história, traduzindo um ar de escapismo absolutamente em sintonia com a persona da protagonista. A menina tem a integridade e a astúcia de uma princesa da Disney, e não há obstáculos que ela não consiga superar com facilidade. É o oposto da realidade de uma pessoa normal, mas ser realista também não é a proposta deste longa.

Em segundo, o elenco encontrado para coadjuvar compreendeu exatamente o filme que fariam. Os atores tiveram liberdade para exercitar comédia na medida, numa rara unidade neste tipo de produção. Em seu caminho, Vicenza conhece seus pais em potencial, os quase opostos Paco (Eduardo Moscovis) e Giovanne (Marcelo Médici), e um núcleo jovem na sede de um bloco de carnaval onde a menina se hospeda, no bairro carioca de Santa Teresa. Mesmo em contraste com a ausência de sotaque na voz de Maisa, a localidade é um refúgio autêntico do Rio de Janeiro, que contribui para o clima de “Pai em Dobro” e ainda traz a alegoria nostálgica dos bailes para a história.

As subtramas deste núcleo de Santa Teresa são encenadas como histórias de novela adolescente e acabam sendo o ponto fraco da obra. Por coincidência, a fotografia nestas locações difere da construída em outros cenários, o que contribui para diminuir a percepção de qualidade cinematográfica nestes momentos. No entanto, persistem o clima inocente da história e a química entre o elenco, que inclui um pretendente amoroso em sintonia com Vicenza, Cadu (Pedro Otonni), entre outros convidados, como a influenciadora Thaynara Og como Lucinha, bastante deslocada em suas cenas na montagem final, e a participação especial de Fafá de Belém. Fafá e Maisa possuem sorrisos tão cativantes que sozinhos já valem este filme e qualquer outro que queiram fazer juntas.

Os desdobramentos, ações e consequências, que movem a história adiante não são demasiadamente criativos nem bem trabalhados – quando muitos roteiristas são creditados para a mesma obra como aqui, geralmente é sinal de problemas. Porém, o elenco extrai mais do que o texto oferece para fazer o público rir e querer acompanhar esse conto como pessoas divertidas e de bom coração. Além disso, em um contexto social onde a ausência parental é um problema comum para os jovens, o desfecho leve ainda traz uma mensagem emocionante.

Algumas vezes fala-se de uma produção como veículo para expor o talento de um ator ou atriz. “Pai em Dobro” é assim para Maisa, que mesmo interagindo com um elenco talentoso ainda captura e mantém para si o protagonismo e os olhos dos espectadores. Sua filmografia ainda é curta e a atriz/apresentadora não teve oportunidades até o momento para demonstrar alcance em seu talento para interpretação. Porém, as características de sua persona comum já a fazem ser uma estrela do cinema nacional e justificam seu destaque. Assim como Millie Bobby Brown, Noah Centineo e os veteranos Adam Sandler e Vanessa Hudgens, a Netflix aposta na estrela brasileira como parte de sua constelação própria. “Pai em Dobro” é o primeiro projeto de um contrato que Maisa assinou com a plataforma e um passo bem dado na direção de mais sucessos da parceria.