Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Ava (Netflix, 2020): veteranos numa obra decepcionante

Estreia da Netflix com Jessica Chastain não consegue empolgar em nenhum aspecto de sua trama.

“Ava” conta a história da personagem título, interpretada por Jessica Chastain. Ava é uma assassina que trabalha para uma organização secreta. Quando uma missão perigosa dá errado, precisa lutar pela própria sobrevivência enquanto volta para sua cidade natal após passar oito anos longe da família.

Dirigido por Tate Taylor (que já trabalhou com Jessica Chastain em “Histórias Cruzadas”) e roteirizado por Matthew Newton, a novidade da Netflix é mais decepcionante do que eficiente no que se propõe a fazer. Com um elenco cheio de estrelas que já se provaram ótimos atores diversas vezes anteriormente, como John Malkovich, Colin Farrell e Geena Davis, nenhum deles parece querer estar ali. As atuações não são de todo ruins, mas nenhum dos atores se destaca numa obra em que cada um poderia elevar o nível de todas as cenas. Até mesmo a atriz principal, que quase sempre é fantástica, não está na sua melhor forma.

Restam para John Malkovich e Colin Farrell entrarem nos papéis óbvios de filmes do gênero: o mentor Duke que a protagonista vê como pai e o vilão Simon sem escrúpulos. Tentam empurrar uma relação paternal entre Ava e Duke, mas, ao invés de construírem cenas bem elaboradas que mostrem uma ligação verdadeira entre os dois, os personagens apenas repetem o tempo todo que sua dinâmica é essa. Já Simon não tem nenhuma conexão verdadeira com a assassina, toda sua motivação girando em torno do fato de que ele não gosta dela como pessoa por um motivo fútil. O que torna o seu confronto no último ato nem um pouco emocionante, já que seu duelo é também somente a segunda cena em que eles interagem.

A produção faz um bom trabalho em mostrar o background da protagonista através dos créditos iniciais, sendo já suficientes para que saibamos tudo que é necessário sobre ela sem a necessidade de exposição. Ainda assim, alguns cenas fazem questão de falar abertamente informações sobre seu passado, principalmente aquelas em seu núcleo familiar, como se ela mesma não tivesse vivido aquilo – e como se a audiência não soubesse interpretar o que está sendo apresentado através do contexto. Essa abordagem poderia ter funcionado de maneira menos engessada se as conversas acontecessem apenas entre sua mãe (Geena Davis), irmã (Jess Weixler) e cunhado (Common), porém como só vemos essas figuras a partir do ponto de vista de Ava, a maneira escolhida para explicar tudo mastigado para o público retira facilmente a imersão.

Seria possível se redimir se pelo menos a ação fosse empolgante, contudo nem isso é executado de modo certeiro. Quase todas as cenas de combate são filmadas mecanicamente e não fluem bem. O cabelo sempre na frente do rosto de Jessica Chastain e o enquadramento dos outros personagens sem mostrar seus rostos demonstram uma edição confusa, o que deixa evidente que o maior trabalho foi feito pelos dublês. O que não é problema algum quando executado de forma natural, mas não é o caso aqui. O que se torna outro fator que prejudica imersão.

Pouco é aprendido sobre a protagonista além do fato de que era alcóolatra e tinha um relacionamento ruim com o pai. Assim como todos os outros personagens, ela está ali apenas para se encaixar no modelo da personagem principal que está buscando algum tipo de redenção durante a trama, e não é apresentado nada de interessante para fazer o espectador se conectar verdadeiramente com ela.

A inserção de um romance entre Ava e Michael, seu ex-namorado e atual de sua irmã, ajuda ainda mais a afundar o ritmo do filme. A atuação de Common como Michael é péssima, os dois não apresentam nenhuma química e seu relacionamento não provoca nenhuma emoção positiva. Esse plot acontece simplesmente para introduzir um clube onde Ava costumava apostar, o que poderia ser feito de diversas formas mais eficientes. Esse aspecto, mais do que os outros, é esquecível e acaba sendo resolvido de maneira patética.

Além do confronto final não despertar grandes emoções, a escolha de música que grita o que está acontecendo no momento enfraquece ainda mais o clímax. E quando tudo está “resolvido”, diversas questões ficam em aberto pelo simples fato de Ava não ter um arco bem resolvido. O que ela conquistou, afinal, no tempo que passamos com ela? O que ela aprendeu? Essas são perguntas pertinentes para a história que o texto de Matthew Newton não está interessado em responder.

Baseando toda sua narrativa em diálogos expositivos que subestimam a inteligência dos espectadores e sendo um filme decepcionante no geral, “Ava” é apenas mais um thriller genérico para tomar espaço no catálogo da Netflix.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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