Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Mulher-Maravilha 1984 (2020): cuidado com o que você deseja

Abraçando a natureza inocente de seus personagens, o longa é uma cativante história sobre a dualidade das coisas.

Atenção: este filme é um novo lançamento nos cinemas que já estão reabertos no Brasil. O Rapadura recomenda que todos consultem os protocolos de prevenção contra o coronavírus de seus cinemas favoritos para garantir sua segurança.

Ahhh, os anos 1980! É impossível falar desta década tão emblemática para diversas gerações sem exaltar o melhor e o pior da nostalgia: músicas “bacanudas” – outras nem tanto -, criatividade abundante, diversão tresloucada, exagero visual e, principalmente, cafonice! Há de se dizer que “Mulher-Maravilha 1984” abraça a breguice oitentista com louvor, porém não em seu visual ou som.

De início, a tela “explode” com uma sequência/flashback simplesmente impressionante, passada em Temyscira, lar das Amazonas, revelando a prova de fogo para o treinamento de uma pequena Diana. Aprendendo a dura lição de que a verdade é o cerne da sabedoria e da força, a heroína Mulher-Maravilha (Gal Gadot) passa seus dias salvando anonimamente os inocentes da cidade de Washington e ainda convivendo com seu eterno luto pelo Cap. Steve Trevor (Chris Pine). Em um de seus embates contra assaltantes em um shopping, uma pedra misteriosa é encontrada e seu poder desencadeia uma série de acontecimentos que resultam na criação de dois super vilões e também no retorno de Trevor.

Toda a trama do filme é pautada pelo conflito entre a verdade e o desejo. Ao receber a dádiva antinatural do retorno à vida de seu amado, Diana precisa lidar com as consequências de seu desejo: a perda progressiva de sua força. Por outro lado, a introspectiva geóloga Barbara Minerva (Kristen Wiig) e o investidor Max Lord (Pedro Pascal) vão perdendo suas “humanidades” enquanto ganham poder.

É na construção dos dois vilões que “Mulher-Maravilha 1984” brilha de verdade. Com uma lenta e gradual (in)evolução de suas personalidades, tornam-se muito críveis as motivações de cada um deles. Além do bom texto, as ótimas interpretações de Wiig e Pascal são imperativas para que todo o arco que os envolve funcione quase como um relógio. Tanto que, no terceiro ato, é possível que ainda estejamos torcendo pela Cheetah na luta contra Diana.

Conduzidas por uma potente trilha sonora composta por Hans Zimmer, as curiosamente poucas cenas de ação do longa são extremamente empolgantes, mesmo que o CGI em algumas delas não ajude muito. A diretora e roteirista Patty Jenkins opta avidamente por focar na natureza e no coração de seus personagens, abdicando assim da cansativa ação desenfreada. Possivelmente para fugir do calcanhar de Aquiles do primeiro filme da amazona, o embate final é absolutamente diferente da terrível luta em CGI com o “Ares de bigode”, sendo até mesmo um tanto anticlimático e panfletário.

Um problema sentido é a duração do filme (2h35min), que em algum momento se alonga demais em acontecimentos inócuos, como em todo o arranjo passado no Egito. É algo que poderia ter sido abreviado sem maiores consequências para a trama.

O ridículo oitentista que “Mulher-Maravilha 1984” engloba está longe dos cenários, cabelos, roupas ou música da época, algo que faz uma extrema falta no longa, passando a impressão que a história poderia transcorrer em qualquer época – é imperdoável que o filme não possua uma única música incidental ícone dos anos 80 em sua trilha! No entanto, ele está na pieguice romântica bonita do casal protagonista, na inocência deliciosamente exagerada e, principalmente, no próprio fato de sua história abarcar com honestidade a maluquice dos poderes da heroína fantasiada, algo que “Superman – O Filme” (1978) fez tão bem.

PS: O filme possui uma cena pós-créditos que não foi exibida previamente para a imprensa.

Rogério Montanare
@rmontanare

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