Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de dezembro de 2020

Sexta-Feira 13 (1980): o nascimento de uma lenda do terror

Este clássico oitentista deixou um legado para a história muito maior que sua própria qualidade cinematográfica justamente por ser fiel ao simples objetivo de entreter.

Quarenta anos após o lançamento de “Sexta-Feira 13“, a herança do serial killer Jason Voorhees é inquestionável por seu rastro cultural. A máscara de hockey e sua machete são ícones do terror reconhecidos no mundo inteiro. Porém, todo fã sabe que este primeiro filme só representa a semente do que a franquia se tornaria durante a década de 1980 – nenhum desses elementos já estava presente.

Verdade seja dita: a produção foi concebida por Sean S. Cunningham para aproveitar o sucesso de “Halloween” e faturar em cima da demanda que esse predecessor de 1978 ajudou a criar. Sem pretensões de agradar críticos como fez John Carpenter, a intenção era somente lucrar. E deu certo. O sucesso acabou gerando as sequências que todos conhecem e deram corpo à onda slasher que marcou o cinema da década. Porém, o que este terror superestimado realmente trouxe para aquele momento ainda sem os ecos da franquia muito menos os traços pop de Jason?

O conceito era simples: adolescentes sendo mortos um a um por um assassino desconhecido. Para começar, Sean S. Cunningham apostou na identificação dos jovens personagens, que também seriam espelho do público a ser alcançado. A ambientação da matança num acampamento de férias era a desculpa ideal para afastá-los do domínio adulto e deixá-los sozinhos, tanto para serem presas de alguém misterioso quanto para serem livres para transar e fumar à vontade. A propósito, a sexualização dos personagens foi um elemento tão marcante que evoluiu a sutileza de “Halloween” para algo mais escancarado, a ponto de criar o estigma de uma certa moralidade implícita no slasher: sexo e drogas seriam punidos por morte.

Os assassinatos também receberam um “tratamento criativo” – algo que viria a ser foco consciente e marca registrada da franquia – pelo talentoso técnico de efeitos e maquiagem Tom Savini, colaborador usual de George Romero de “A Noite dos Mortos-Vivos“. Além disso, ao tomar a posição dos olhos do assassino, a câmera de Cunningham não só esconde o corpo e a identidade do vilão, mas coloca o espectador numa posição de voyeur durante as caçadas. Tal característica não foi criação original da obra, pois já existia no giallo italiano e estava presente no clássico canadense “Noite do Terror” de 1974. No entanto, o diretor se aproveitou de um outro efeito desta técnica no espectador: na visão do público de 1980, somente um homem seria capaz de cometer as atrocidades do filme. Certo?

Assim, a expectativa de finalmente conhecer a identidade do vilão é superada em uma grande virada revelatória que é origem da lenda de Jason Voorhees e contribuiu para seu sucesso nos cinemas. Spoilers de quarenta anos à parte, o Jason como se conhece, com suas caracterizações icônicas e comportamento sobrenatural, só começa a tomar forma a partir da sequência. Nesta primeira obra, a estrela é outra.

Marcado também por ser um dos primeiros trabalhos de Kevin Bacon no cinema (como “uma das vítimas”), além da memorável trilha sonora de Harry Manfredini (que incorporou o arrepiante “ki ki ki… ma ma ma…” na música), o filme não é tão bom quanto seus contemporâneos “O Massacre da Serra Elétrica“, “Halloween” e “A Hora do Pesadelo“. Enquanto estes últimos traziam a autoralidade de seus respectivos cineastas, Tobe Hooper, John Carpenter e Wes Craven, aqui talvez Cunningham estivesse mais interessado em fazer dinheiro. E se ele atirou no que viu, atingiu o que não viu, pois o público abraçou as decisões que direcionaram a franquia e transformaram Jason em um dos vilões mais populares de sua época.

Mesmo com sua qualidade questionável, “Sexta-Feira 13” é lembrado como um dos melhores filmes da franquia, senão o melhor. Porém, mais importante que isso, a obra foi fundamental para impulsionar o cinema de terror no fim do século XX – tanto sob o aspecto financeiro, já que o gênero proporciona um dos maiores retornos sobre investimentos para os produtores, quanto sob o cultural. Como porta de entrada para o horror, Jason e seus filmes cativaram uma nova geração de espectadores atraídos por algo que poucas outras produções entregaram tão bem: puro entretenimento.

William Sousa
@williamsousa

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