Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de dezembro de 2020

Se Algo Acontecer… Te Amo (Netflix, 2020): um sensível choque no trem da vida

Belissimamente animado, o curta apresenta um emocionante mosaico de memórias e propõe uma intensa reflexão sobre a efemeridade da vida.

Separados por uma terrível tragédia familiar, um casal tenta reconquistar a conexão perdida que um dia foi tão forte. Ao adentrar uma emocionante jornada através das memórias de um tempo distante, eles enfim começam a consertar as fraturas de seu relacionamento. Dirigido pelos estreantes Will McComarck e Michael Govier, é essa a premissa do emocionante “Se Algo Acontecer… Te Amo, belíssimo curta distribuído pela Netflix que oferece uma dura, mas imensamente necessária, reflexão sobre a efemeridade da vida.

Usando um estonteante trabalho de animação com desenhos feitos à mão, a produção se destaca principalmente por seu visual, adotando estratégias de composição imagética que em muito amplificam as importantes mensagens transmitidas. Marcado por uma coloração que mistura o preto e o branco, se o início do projeto é caracterizado por uma certa melancolia, tendo na ausência de cores vibrantes a tradução perfeita do estado pessimista das personagens, é gratificante testemunhar como a rememoração adiciona energia ao que é visto em tela, colorindo essa última através do mosaico entre passado e presente que é moldado.

Indo além, é importante destacar também o papel emocional que as sombras assumem na obra, simbolizando os traços de nossa trajetória que nunca deixarão de nos acompanhar. Contrastando com as figuras humanas que são retratados em uma tonalidade branca, o preto que essas carregam remete inicialmente a já mencionada tristeza do universo construído, de forma que esses espectros de penumbra oscilam entre ações negativas – que amplificam a tensão uma vez que revelam a intensidade do distanciamento entre os protagonistas – e sugestões para a reconciliação que parecem passar despercebidas. Diferente das cores que compõem os cenários, todavia, o interessante é perceber que estas não se transformam visualmente ao longo da duração, mas sim de forma simbólica, passando a adotar posturas que confortam os membros do casal e que, vindas de seu passado, as colocam como verdadeiros “anjos da guarda”. Tem-se aí um importante comentário sobre a relatividade de certas lembranças, demonstrando a possibilidade de alterar as sensações que atribuímos a elas através da maneira como nos relacionamos com o mundo e com aqueles ao nosso redor.

Ainda nesse ínterim, não são poucos os elementos do microcosmo retratado que têm o seu significado alterado à medida que o curta evolui, reforçando a especificidade que certos aspectos assumem na vivência pessoal de cada um e a influência que estes exercem pelas memórias que reavivam. Dessa forma, são vários os traços que antecipam a breve história que o filme convida o espectador a conhecer, preparando-o para esse mergulho tocante que ainda é alavancado por uma ótima escolha sonora. Por conta disso, a pequena extensão do que é apresentado não diminui o seu impacto, consolidando um registro cirúrgico e universal de uma vida que teve a infelicidade de ter um tamanho semelhante ao da plataforma que a apresenta.

Com tudo isso, “Se Algo Acontecer… Te Amo” introduz um emocionante mosaico de memórias que oscila entre o passado e o presente para comover o espectador da forma mais impactante possível. Revestido por um belíssimo visual e beneficiado por sua curta duração, o filme nos convida a conhecer diferentes momentos de uma vida para conscientizar acerca da importância da valorização de aspectos que, em um piscar de olhos, podem deixar de existir.  Sendo assim, a produção é uma experiência arrebatadora – sendo impossível sair indiferente da mesma – e exemplifica, como poucas, a importância da união na preservação e, principalmente, ressignificação de memórias e da influência que estas exercem na forma como enxergamos a vida.

Davi Galantier Krasilchik
@davikrasilchik

Compartilhe