Dirigido por Alejandro Landes, drama colombiano constrói um visual extraordinário a partir da perspectiva de jovens guerrilheiros para explorar relações universais entre inocência e selvageria.
O impulso por definir “Monos – Entre o Céu e o Inferno” como uma livre releitura de “O Senhor das Moscas” de William Goulding, ou um atípico drama de maturidade, nasce da tentativa de explicar a originalidade desta produção colombiana de Alejandro Landes. Afinal, trata-se de um grupo de jovens vivendo sob regras não convencionais em um ambiente de natureza selvagem. Assim como o famoso experimento psicológico de Stanford, que mostrou que o comportamento de um grupo autodefinido pode ter consequências imprevisíveis, a obra acompanha como inusitados guerrilheiros adolescentes agem como braço isolado de uma organização para cuidar de uma refém.
Se a violenta atuação das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) como associação paramilitar marcou os noticiários brasileiros por décadas, pode-se intuir como ela marcou o imaginário do povo colombiano, especialmente cineastas que levaram o tema com a inquietude de quem precisa falar sobre o assunto. O recrutamento de soldados adolescentes não era incomum, mas o que torna o drama um retrato especial é que a situação real somente inspira o contexto de uma história centrada na perspectiva daquelas figuras, já imersos e dissociados de sua identidade social.
À exceção de Moisés Arias como Patagrande, atores não profissionais tomam a pele de Leidi, Sueca, Pitufo, Perro, Bum Bum e Rambo, liderados inicialmente por Lobo. São todos jovens recebendo instruções e treinamento do Mensageiro, o único elo do grupo com a “organização”, sobre a qual pouco é dito durante o filme. A ambientação do acampamento deles é a inspiração para a referência ao “céu” do subtítulo brasileiro – os Andes colombianos são fotografados de maneira espetacular, por imagens que parecem vir de outro planeta. A textura do frio, da lama e da umidade aproxima o espectador da rusticidade dos “monos”, como o coletivo se autointitula. Esta palavra significa “macacos” em espanhol e sua associação à selvageria dos símios é justificada pelos rituais animalescos de comunicação e pelo hedonismo das festas noturnas.
Apesar da natureza questionadora dos adolescentes, os “monos” são disciplinados como militares e começam a narrativa desprovidos de qualquer resquício aparente de uma infância “normal”, pois não se sabe há quanto tempo fazem parte da “organização”. Com poucos recursos, mas armados para defesa, eles são responsáveis por cuidar de uma vaca leiteira e uma refém, chamada simplesmente de Doutora (Julianne Nicholson), a única conexão com a realidade do mundo. E o que poderia ser um filme de ação, se torne um estudo interessado pelas reações dos personagens às situações propostas pelo roteiro.
Como destaque entre os conflitos, pode-se citar como a posição social de Leidi é definida por sua feminilidade, como a dinâmica de liderança/subserviência entre os jovens é frágil e violenta, como a não binariedade de Rambo conversa com o roteiro e como o terror da desumanização da Doutora entra em contraste com o resquício de inocência que escapa por alguns. O campo de experimentações é interrompido quando o conflito da guerrilha alcança o acampamento e a produção troca o cenário do frio das alturas pelo calor da floresta tropical (o “inferno” do subtítulo brasileiro).
A nova ambientação também modifica a dinâmica dos guerrilheiros. Continua marcada esteticamente pela hostilidade do lugar na pele da Doutora, diferentemente dos adolescentes treinados para sobreviver na selva, mas que não estão preparados para lidar emocionalmente com as novas situações. Vale notar também como a trilha sonora da talentosa compositora Mica Levi, ao lado do ótimo desenho de som, elevam o visual da obra de Alejandro Landes a patamares próximos ao da ficção científica.
Fechar arcos dos personagens não é tarefa fácil já que não há um conflito principal em torno deles – o que é feito é estimular reflexões de início ao fim com as situações apresentadas. Por mais que seja tentador analisar o filme com o contexto social colombiano, trata-se de questões mais universais da natureza humana, escancaradas pela selvageria do cenário criado e pelo instinto da alma adolescente, ora inocente, ora cruel. Intenso e imersivo, o mundo construído por “Monos” é ousado, provocante e tão rico em sensações que sua originalidade o faz difícil de encontrar outros paralelos no cinema contemporâneo.