Em 2003 chegava aos cinemas “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, a conclusão da épica trilogia de Peter Jackson adaptando a obra literária fantástica de J. R. R. Tolkien. Após um longa inicial que apresentou personagens memoráveis e uma sequência que trouxe revoluções tecnológicas que mudariam o cinema, o derradeiro capítulo mescla estes elementos magistralmente para encerrar uma das mais incríveis jornadas vistas numa tela.

O filme abre com um presente para Andy Serkis, podendo atuar como Smeagol num flashback e ter seu rosto real imortalizado na obra. A cena mostra sua queda perante a influência do anel que resultou na criatura que acompanha Frodo e Sam (Elijah Wood e Sean Astin, respectivamente) na viagem a Mordor. A qualidade do resultado final da técnica de captura somada à atuação de Serkis nunca cai e rende um dos personagens mais marcantes da trilogia.

Após a derrota de Saruman (Christopher Lee), Pippin (Billy Boyd) descobre uma ferramenta que acaba revelando os planos de Sauron de invadir e destruir Minas Tirith, capital de Gondor, para onde Aragorn (Viggo Mortensen) cada vez mais se prepara para assumir seu papel de rei. Gandalf parte para avisar a cidade do perigo, onde conhecemos o único personagem novo do filme, Denethor (John Noble), pai do falecido Boromir (Sean Bean) e de Faramir (David Wenham).

Consumido pela desesperança e pelo luto, Denethor não preparou as defesas de Gondor, que precisa da ajuda do exército de Rohan para ter alguma chance. Noble entrega um personagem complexo e odiável, incapaz de demonstrar amor pelo filho mais novo, praticamente entregando-o ao abate e resultando numa cena de cortar o coração onde Faramir, basicamente, pede que o pai o ame.

Todas as tramas apresentadas nos dois filmes anteriores chegam ao fim num roteiro bem redondo que sim, até apela para exposição excessiva em alguns pontos, mas que é cercado de tantos outros elementos de alta qualidade que fica fácil perdoar falhas que nunca incomodam. A longa e impressionante batalha nos campos de Pellenor, perante o assombroso cenário da cidade branca, será referência para guerras medievais por mais uma centena de anos. A chegada dos cavaleiros de Rohan e o discurso de Théoden (Bernard Hill) não permite que um pelo fique junto à pelo da plateia. Hill é a encarnação daquele que não vê esperança, mas que vai dar tudo de si até o final e não se rende ao abatimento, e ao contagiar seu povo com esse sentimento, contagia o público que se pega constatando que cavalgaria a seu lado.

É óbvio que há um número imenso de CGI em tela, mas é tudo tão bem mesclado com atores e cenários reais que resulta numa obra visualmente fascinante que talvez nunca fique datada. É uma consagração do puro espetáculo que a trilogia oferece, de tal ponto que, mesmo que algum espectador não goste da história, há muito poder de entretenimento aqui. É uma façanha técnica que oferece imersão única na ação, na adrenalina e no desespero.

O roteiro de Jackson, Fran Walsh e Phillippa Boyens adapta o épico literário de Tolkien com tamanho êxito que homenageia a obra original e conquista novos fãs para a mesma. A forma com que seus personagens evoluem é certeira e alguns brilham aqui. Éowyn (Miranda Otto) se prova peça vital na batalha com sua obstinação em fazer o certo e lutar pelos que ama e consegue o que nenhum outro homem conseguiria; Pippin se torna o último hobbit a atingir um novo nível de amadurecimento ao ter que encarar os horrores da guerra e da loucura de seu senhor; e os votos de dedicação a cuidar do outro de Sam o torna um símbolo de lealdade que consegue, literalmente, carregar amigos a seus objetivos.

Jackson tem momentos de brilhantismo na direção. Seja valorizando os cenários, o escopo das paisagens e as coreografias de guerra, seja incentivando seus atores a chegarem no tom certo para momentos chave, sua mão estava afiadíssima. Cenas como Pippin cantando enquanto Denethor come ao mesmo tempo que seu filho cavalga para a morte certa são exemplos de quando atuação, planos detalhe, montagem e trilha sonora se unem para entregar um momento de grande impacto emocional.

Falando em trilha sonora, Howard Shore estava inspiradíssimo durante a trilogia e, neste filme, entrega peças musicais inesquecíveis. As músicas quando Gandalf chega a Minas Tirith, e da sequência dos faróis do Gondor se acendendo são exemplos de como Shore conseguiu criar a sensação de aventura, fascínio e esperança como poucas obras da sétima arte já fizeram.

Os confrontos finais nos portões de Mordor mesclados com os hobbits lutando contra Gollum são carregados de tensão e expectativa, aumentando a sensação do grande clímax que está por vir. Após acompanhar personagens tão queridos por três longos filmes, é difícil dizer adeus a eles, e toda cena que parece adiar o final é bem-vinda. Melhor ainda é perceber que nada é gratuito, na verdade acabam amarrando as poucas pontas soltas do roteiro, adicionando emoção às jornadas que chegam a seu fim. Jackson acerta até na última tomada, onde a porta de uma toca de hobbit se fecha, a trilha sobe, e as lágrimas rolam.

“O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” se torna uma celebração da trilogia, e venceu os 11 Oscars a que foi indicado. A sensação de tão épica jornada chegando ao fim é representada até nas belas artes mostrando o rosto de cada ator durante os créditos finais –  uma forma de deixar o público, ainda estupefato do espetáculo que presenciou, ter alguns minutos a mais para se despedir de personagens tão queridos e marcantes, ao mesmo tempo em que pode absorver com mais calma a torrente de fascínio ininterrupto a que foi submetido. É uma despedida agridoce da Terra-Média, onde se sai da sessão feliz pela grande obra testemunhada, mas triste por ela ter chegado a seu fim.