Sem medo de abraçar a inocência e a paixão de seus (agora) quatro protagonistas, esta não é apenas uma continuação que honra seus antecessores, também acaba sendo o filme certo para esses tempos incertos.
Em 1989 e 1991, a cultura pop viu dois jovens meio lerdos, mas completamente apaixonados por música, viajarem no tempo, encontrarem figuras históricas, apaixonarem-se por princesas medievais, passarem de ano em história, ficarem amigos do Ceifador Sinistro, irem do céu ao inferno, do futuro ao passado e aprenderem finalmente a tocar. Tudo para realizar um destino que lhes fora imposto por um futuro utópico de que, um dia sua música uniria o mundo. Aí veio 2020 e, até a chegada de “Bill & Ted – Encare a Música”, seus respectivos intérpretes Alex Winter e Keanu Reeves ainda não haviam conseguido realizar a hercúlea empreitada.
Neste filme, reencontramos os Wyld Stallyns vinte e nove anos depois de sua última grande aventura, sofrendo um dos mais estranhos casos de síndrome de impostor do cinema recente. Incapazes de amadurecer e atolados por um destino que nunca chega, as esperanças dos outrora rapazes de fazerem o que o futuro lhes reservava míngua, mesmo com o apoio de suas filhas, Billie (Brigette Lundy-Paine) e Thea (Samara Weaving) e das suas Princesas (Jayma Mays e Erinn Hayes), que ainda estão segurando as pontas dos casais – mesmo que no limiar de uma crise.
A situação piora quando a própria realidade começa a se desfazer e, ao menos que Bill & Ted consigam entregar a música que unirá o mundo em 77 minutos, o tempo e o espaço entrarão em colapso. É essa a premissa que leva os protagonistas em novas jornadas pelo tempo para tentar salvar o mundo, encontrando velhos conhecidos e mais “companheiros de banda”.
O longa corre quase que em, aham, “tempo real”, mantendo os objetivos dos heróis atrelados ao “presente”, por mais que a trupe vá para frente ou para trás no tempo, assim como em “Uma Aventura Fantástica” e “Dois Loucos no Tempo”. O roteiro, escrito pelos criadores da franquia Chris Matheson e Ed Solomon, não liga tanto para eventuais regras de viagem temporal, mantendo mais o foco na diversão e nos personagens, utilizando-se também dos recursos das dimensões alternativas.
A química entre Alex Winter e Keanu Reeves se manteve inalterada, com a ligação entre Bill e Ted sendo não só divertida, mas apaixonante, mostrando que o bromance entre os dois não diminuiu com o tempo. Chega a ser impressionante como os atores voltaram fácil a esses papéis depois de tantos anos.
Pode ser estranho para parte do público mais jovem ver o John Wick agindo de maneira boba e atrapalhada, mas se existe um ator que tem a capacidade de rir de se mesmo é Reeves. Winter e ele se divertem horrores não apenas em voltar a interpretar a dupla, mas também brincando com suas versões alternativas, que são progressivamente mais bizarras – e palmas para a equipe de maquiagem aqui.
No entanto, um dos feitos mais impressionantes dessa continuação jaz em Billie e Thea. Brigette Lundy-Paine e Samara Weaving respeitam seus pares mais velhos, com as garotas compartilhando a leveza e a paixão de seus pais, mas elas também são savantes musicais, com talentos naturais para entender e criar música. O fato delas terem um estilo próprio, mas respeitarem de onde vieram, é refletido nas interpretações das atrizes e até no figurino. Este utiliza temas parecidos com os trajes clássicos dos protagonistas-título, mas modificando-os para as personalidades das meninas.
Vale ainda destacar as boas participações de Kristen Schaal, que funciona como uma bela homenagem ao saudoso gigante da comédia George Carlin (o antigo mentor Rufus na franquia); Anthony Carrigan, sob pesada maquiagem e vivendo o robô com a maior crise existencial desde Marvin em “O Guia do Mochileiro das Galáxias”; e, claro, o retorno de William Sadler como Morte, com sua síndrome de péssimo perdedor e o sotaque propositadamente ruim remetendo a “O Sétimo Selo”.
Dean Parisot se mostrou a escolha ideal para comandar o filme, misturando energia, anarquia e doçura familiar num ambiente estranho, assim como fez em “Heróis Fora de Órbita” por exemplo. “Bill & Ted – Encare a Música” não é um longa perfeito e nem se propõe a ser. Assim como os seus heróis, ele pode ser bobo, desleixado e não fazer tanto sentido assim. Porém, através de seu coração, trapalhadas e música, diverte e entretém. E não há nada mais universal do que isso em todo o tempo e espaço.