Terror brasileiro com ar de amadorismo faz muito com pouco, entregando uma discussão relevante com direito à sobremesa.
*Filme disponível na Mostra MacaBRo de Horror Brasileiro Contemporâneo, evento com exibições online gratuitas através da plataforma de streaming Darkflix entre 28 de outubro a 23 de novembro de 2020.
Produções de baixíssimo orçamento costumam encarar um dilema. Quando se levam a sério, precisam lidar com o fato de que a qualidade final será limitada, independentemente dos esforços e da criatividade – sempre haverá um profissional ou serviço que seria melhor se simplesmente houvesse mais dinheiro disponível. No outro lado da moeda, quando um filme barato é despretensioso, cria-se uma aura inicial de “café com leite”, mas que surpreende se o resultado é positivo. É o caso de “#ninfabebê“, cuja narrativa é totalmente construída a partir de lives e vídeos caseiros gravados em celulares por duas adolescentes.
Interpretada por Dandara Adrien, a personagem-título é uma jovem exibicionista, famosa nas redes e em aplicativos especializados por seus vídeos sensuais, apesar de ainda não ter dezoito anos. Seu nome real é Cibelle, mas a persona digital #ninfabebê é tão forte que parece se misturar com seu jeito em casa, onde vive uma vida liberal em harmonia com o pai músico e mulherengo. A questão é que a menina é consciente de que, em quase todas as cenas, ela é estrela dos próprios vídeos, logo raramente abandona o papel de ninfeta ousada.
A malícia também implícita no título não é tão extrema quanto pode parecer. Não há nudez nem diálogos carregados de palavrões. Nem o contraste de Cibelle com sua amiga ainda mais jovem e ingênua, Daiana (Giovanna Almeida), a deixa exageradamente sexual. As duas se definem como adolescentes normais mergulhadas na vida digital, que é o pretexto para as imagens do longa e para o tema de discussão.
Falando em pretexto, o “grande plano” da #ninfabebê para o fim de semana sozinha em casa é uma simples noite de álcool e música com sua “pupila” Daiana. A maior parte da obra escrita e dirigida por Aldo Pedrosa é dedicada a acompanhar os vídeos das jovens se conhecendo e se divertindo. O tom de brincadeira começa cedo com a singela trilha eletrônica durante os créditos iniciais, e por toda a história os espectadores participam como verdadeiros voyeurs para as duas.
Por questões orçamentárias, é compreensível que a música seja ruim e os efeitos digitais que simulam as interfaces dos aplicativos usados pelas meninas não façam referência a nada próximo dos programas existentes, como Facebook e Instagram. “Sem querer querendo”, isso acabou por dar mais liberdade para o cineasta explorar a linguagem do celular para apresentar elementos da narrativa sem ficar preso a limitações reais. Com isso, também com uma intenção superficialmente involuntária, ele acaba criando uma foto de como os primeiros da geração Z, os nascidos na virada do milênio, interagem por dispositivos digitais quase como extensão dos próprios corpos e mentes. Dessa forma, questões relacionadas como o sexting, o bullying virtual e a publicação de vídeos íntimos são abordadas.
Vendido como terror, o projeto demora a engatar seus lados sombrios. Por mais que a exagerada paleta vermelha e a atuação da protagonista se incline a algo desconcertante, Aldo Pedrosa não faz muito mais que eventualmente falar de morte e introduzir uma adaga na narrativa. Uma sequência dedicada ao passado de uma das meninas chega a ser constrangedora pela total inadequação tonal, realçando o aspecto amador do filme. No entanto, o diretor é bastante inventivo no uso da câmera, que faz parte da narrativa e só algumas vezes parece forçada. Assim, ele garante a atenção do público sem lidar com grandes expectativas.
Chega-se então a uma inesperada e sangrenta escalada final, sobre a qual pouco pode ser dito sem entrar no âmbito dos spoilers. O que há de irregular no texto e nas atuações (em especial a terrível tentativa de construir algum drama), de repente é compensado por uma talentosa e imersiva execução de uma sequência de terror. Existe uma máxima do cinema que diz que o final pode tanto arruinar um filme bom com salvar um filme ruim. Neste caso, acontece o segundo.
Qualquer tentativa de produzir filmes, especialmente no Brasil, é louvável por sua dificuldade. Logo, deve-se comemorar quando uma obra com ar e técnica semiprofissionais funciona, mesmo que em parte. Há produções superiores com estética similar, como “Buscando” e “Amizade Desfeita“, que são incríveis em comparação, mas que também possuem propostas muito mais ambiciosas que a de Aldo Pedrosa. Assim, considerando sua cara de produção universitária e o pouco dinheiro investido, “#ninfabebê” é excepcional.