Noventa e cinco minutos de exposição barata, personagens vazios e aventura tediosa que não respeitam a obra original e nem devem despertar a curiosidade de ninguém para ir atrás dos livros.
A série de livros sobre um menino prodígio do crime escrita por Eoin Colfer foi lançada ao longo da primeira década do segundo milênio com bastante sucesso com seu público-alvo. Logo de início, já havia tentativas de levar esse universo aos cinemas. Tendo passado pela mão de diferentes diretores e inúmeros roteiristas, o filme “Artemis Fowl: O Mundo Secreto” finalmente começou a ser gravado em 2018 e, com a pandemia do COVID-19, foi lançado diretamente em streaming pela Disney Plus.
Produções conturbadas raramente resultam em bons filmes e este não é exceção. Tentando adaptar o primeiro livro com elementos do segundo em apenas 94 minutos de duração, o roteiro se resume a uma metralhadora de exposição barata, ignorando qualquer tentativa de desenvolvimento de personagens e construção de mundo.
A duração se torna ainda mais problemática quando se nota que, após mais de meia hora, o filme ainda está apresentando personagens e elementos vitais à história. Esta, aliás, é contada por meio de uma narração sem nenhum sentido narrativo. Feita por Josh Gad, ela é estabelecida como um prisioneiro sendo interrogado, mas com uma linguagem de um narrador-onisciente contando uma história fantástica cheia de informações irrelevantes para seu captor, e que precisam ser ditas ao público para que alguma coisa faça sentido. Gad, pelo menos, faz o possível para engrandecer a mágica que tenta transmitir, mas seus esforços são em vão perante uma obra que despreza a complexidade de seus personagens.
Com um roteiro tão pobre, os atores sofrem. O estreante Ferdia Shaw infelizmente não convence como o protagonista. Porém, é tudo tão corrido que é difícil acreditar que ele tenha tido tempo de descobrir e explorar as motivações emocionais de seu Fowl. O mesmo pode ser dito do resultado final de todos os envolvidos em tela, qualquer breve momento de emoção cai por terra porque não há desenvolvimento do arco narrativo de ninguém. Há personagens, inclusive, que não possuem sequer uma apresentação decente, apenas aparecem, não fazem nada para o avanço da narrativa e somem. É um desperdício de talento num elenco que possui nomes como Colin Farrell e Judi Dench, que estão lá apenas para despejar informação.
A história gira em torno de um dispositivo chamado Áculos, que pode ser uma arma mortal e que desapareceu do mundo das fadas (desconhecido por todos menos pelos Fowl), e sobre o sequestro do pai do protagonista, cujo resgate é o objeto mencionado, assim amarrando todos na trama. Poderia ter rendido ótimos momentos e discussões que espelham problemas da nossa sociedade em tela, mas a sensação é de que o filme não consegue decidir o que contar. O próprio Artemis é descrito como um gênio precoce, como se sua inteligência fosse praticamente um superpoder, mas o roteiro nunca dá espaço para que ele a use de fato. A cena em que esse elemento é estabelecido, aliás, é durante uma sessão de terapia onde o consultório possui paredes de vidro, à vista de todos que estão na sala de espera. Essa falta de privacidade não faz o menor sentido num contexto psicoterapêutico e é um bom exemplo das várias más decisões contextuais da obra.
Há algum valor nos cenários desenvolvidos para representar o mundo das fadas, mas tudo se perde num CGI que, muitas vezes, já está datado, dando aquela incômoda sensação de que as interações entre humanos e criaturas são irreais e impalpáveis. Há figurinos bem construídos, mas com decisões contextuais bisonhas como a de um personagem camuflado na floresta, mas usando terno por baixo.
“Artemis Fowl: O Mundo Secreto” é uma aventura que não possui seus elementos mais divertidos. Não há investigação, viagens ao desconhecido ou exploração, perdidas num texto que se resume à exposição pobre. Qualquer momento climático se torna vazio com a ausência de construção dos momentos que levam a ele e acabam apenas contribuindo para o tédio. Quem é fã dos livros, provavelmente não vai curtir este filme. Quem nunca leu, não deve terminar a sessão com vontade de ler.