Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A Extraordinária Garota Chamada Estrela (Disney Plus, 2020): história boba com roteiro bobo

Roteiro confuso e desconexo desperdiça uma boa premissa nessa história de amadurecimento e autoafirmação.

Grace VanderWaal participou do reality show America’s Got Talent em 2016. Com apenas 12 anos de idade e um ukulele, cantou uma música composta pela própria e avançou na competição até vencê-la. Quatro anos depois, ela estrela seu primeiro longa-metragem lançado pela Disney Plus interpretando a menina do título do filme “A Extraordinária Garota Chamada Estrela”.

Baseado no livro homônimo de Jerry Spinelli lançado em 2000, a história gira em torno de dois adolescentes. Um é Leo (Graham Verchere), tímido e retraído para evitar que o bullying sofrido quando se mudou para a pequena cidade Mica se repita. Sua maneira de levar a vida é desafiada quando conhece Estrela (VanderWaal), que não tem o menor receio de mostrar sua excentricidade para o mundo. É uma premissa com bom potencial, mas logo se perde em contradições.

A principal delas é de uma garota tão diferente – roupas extravagantes, ukulele, rato que carrega na mochila – ser imediatamente aceita e querida por todos de uma escola onde o menino precisa se retrair para não sofrer bullying. Histórias assim costumam lidar sobre o quanto jovens têm a capacidade de transformar pessoas diferentes em alvos, mas basta uma canção surpresa no refeitório na frente de todo mundo para que Estrela seja abraçada pela comunidade escolar. Além de excessivamente utópico, não faz sentido com o que foi apresentado anteriormente.

Estrela diz que foi educada em casa pela mãe durante toda sua vida, mas quis ir para escola para fazer amigos. Mesmo nunca tendo frequentado o colégio, é estranho que ninguém tivesse sequer ouvido falar dela numa cidade tão pequena, parece que a menina nunca saía de casa.

A utopia excessiva continua quando ela se torna a mascote da escola de maneira tão instantânea que só pode ser mágica. Do nada, ela canta e o time da escola começa a ganhar jogos só porque ela está por perto. A escola adota a protagonista com uma facilidade inverossímil que não encaixa com o que acontece após um certo jogo de futebol americano. Leo, claro, não resiste e se apaixona à primeira vista e a maneira com que Estrela responde a tal sentimento acontece do mais absoluto nada. A cena só rende porque Verchere consegue dar sorrisos tão sinceros que cativam. Porém, sua atuação não compensa momentos em que ele quer que ela seja diferente do que ele se apaixonou por motivos muito fracamente apresentados. Há conflitos apresentados – como o de Leo com seu melhor amigo – que são resolvidos de maneira tão amadora e rápida que era melhor que não tivessem sido incluídos na trama de forma alguma.

As sequências musicais também são esquisitas. A diretora Julia Hart tomou a decisão de fazer tudo parecer um videoclipe para VanderWaal, ela canta direto para a câmera e o espectador precisa aceitar que, mesmo sem microfone, todo mundo na arquibancada a ouve. Apesar de destacar o talento musical da atriz, são momentos que acabam desconexos da trama pela tal escolha de linguagem visual mais apropriada para a saudosa MTV do que para um filme de ficção.

O filme ainda conta com Giancarlo Esposito, desperdiçado num papel simplório de um velho amigável e com conhecimento aparentemente mágico sobre como a vida funciona. É um personagem que só existe para fazer o tipo do mentor amigável, mas que só solta pérolas de sabedoria quando é conveniente para o roteiro.

Pelo menos a fotografia do filme faz uma boa troca de tons e tira proveito das belas paisagens do Arizona, mas não compensa um filme com elementos tão desconexos da realidade que propõe. A saber, por exemplo, a cena de uma festa onde todo mundo sai correndo para fora, mas continuam ouvindo a música por motivos inexplicáveis.

As promessas de atores cativantes em potencial não compensam um roteiro que ora é muito preguiçoso, ora se contradiz. “A Extraordinária Garota Chamada Estrela” traz uma boa premissa de uma história de amadurecimento e autoafirmação, mas se perde nas facilidades inverossímeis de sua própria estrutura.

Bruno Passos
@passosnerds

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