Esta leve produção da Netflix entrega uma ótima mistura de terror e humor para entreter a família e construir uma crítica social em torno da gentrificação que acontece em Nova York.
Mesmo se alguém unir o clima juvenil dos clássicos oitentistas “Deu a Louca nos Monstros” e “A Hora do Espanto” com uma boa dose de “Faça a Coisa Certa” de Spike Lee, ainda não se chegará no frescor de “Vampiros X The Bronx“. Esta sátira de horror suave da Netflix apresenta um entrosado trio de pequenos adolescentes contra uma ameaça vampírica que aos poucos quer se estabelecer na comunidade onde moram – o bairro novaiorquino do Bronx. Famoso por sua diversidade, o lugar se tornou predominante negro e latino após décadas de transformação, mas nos últimos anos vem sofrendo um bruto processo de gentrificação, situação que inspirou o diretor Oz Rodriguez a desenvolver esta espirituosa crítica social.
A exemplo do tema central da obra brasileira “Aquarius“, o que se entende como gentrificação pode ser visto como uma força que praticamente expulsa os moradores nativos de uma área na forma de intensa especulação imobiliária. Os moradores e comerciantes que resistem são aos poucos sufocados pelo aumento dos preços ao redor e terminam por ver o desmantelamento da sua comunidade original. Para contar uma história que reflita bem esta opressão e o que ela representa, nada melhor que misturar comédia com horror na medida certa.
Em “Vampiros X The Bronx”, o jovem Miguel (Jaden Michael) é o personagem central. Naquele limiar entre pequeno demais para ser adolescente e muito grande para ser criança, o virtuoso menino é conhecido na vizinhança como “prefeitinho”, já que ele demonstra fortes valores democráticos e de justiça. Sua mais recente manifestação é para organizar um evento beneficente para salvar uma querida lojinha, a bodega do Primo Tony (The Kid Mero). Seus melhores amigos são o estudioso Luis (Gregory Diaz IV) e o problemático Bobby (Gerald Jones III). E em torno deles são apresentadas diversas figuras típicas e muitos de bom coração, dos pais imigrantes aos policiais locais e o grupo de gângsteres da área.
Juntos, estes personagens são trabalhados de forma leve e bem humorada, construindo uma convidativa impressão de harmonia que ajuda a imprimir o tom familiar ao filme. Uma boa decisão foi evitar abordar a tensão racial com policiais – este assunto seria relevante, mas é muito delicado e possivelmente elevaria demais a carga dramática, assim como acontece em “A Gente Se Vê Ontem“, outra produção juvenil semelhante da Netflix. Chega-se então aos esperados antagonistas: os vampiros. E o roteiro é resultado de um bom dever de casa sobre o assunto no cinema já que ele reconhece algumas das icônicas obras em torno das criaturas.
Para começar, os vilões estão por trás de uma imobiliária chamada Murnau, referência inquestionável ao diretor responsável pela adaptação de “Drácula” de 1922, o seminal “Nosferatu“. Visualmente inspirados pelo pálido monstro original de unhas longas, os vampiros são caracterizados aqui por homens brancos de meia-idade e, pelas entradas na cabeça, todos com iminente calvície. À frente da imobiliária está Frank Polidori (Shea Whigham), um tipo que remete à máfia italiana de conhecido domínio histórico nos bairros de Nova York. De certa forma, os morcegões representam os velhos brancos imigrantes europeus expulsando os novos imigrantes negros e latinos.
A crítica à gentrificação é óbvia, já que o modus operandi dos vampiros é invadir o bairro comprando os imóveis por um preço alto e os transformando em empreendimentos totalmente incompatíveis com a cultura local. Parte do humor vem do absurdo que é proposto e que é tratado como normalidade pelos personagens. Os carismáticos protagonistas cruzam o caminho dos invasores e, estudantes das técnicas do grande caçador de vampiros “Blade” e das lições de “A Hora do Vampiro” de Stephen King, eles precisam convencer a comunidade do perigo, ou contra-atacá-los.
Sem exagerar na violência e muito menos no gore, os diálogos e as cenas são ricos em bom humor e responsáveis por integrar os diversos coadjuvantes do bairro na aventura dos garotos, materializando em bandeiras e linguagem o orgulho que eles sentem de suas origens diversas. Afinal, não são vampiros contra crianças. Como o título diz, são contra o Bronx inteiro. O conflito entre moradores e pressão social externa tem o terror como palco ideal – a mesma tensão pode ser vista em “A Primeira Noite de Crime” da franquia “The Purge“, por exemplo. No entanto, “Vampiros X The Bronx” aborda assuntos sérios com a suavidade de uma Sessão da Tarde que, de tão agradável, entrega quase despercebido o maior soco no estômago dentro do bom roteiro: a real justificativa da escolha do Bronx como alvo. Vale a pena conferir despretensiosamente com toda a família e sem medo do terror.