Do diretor paraibano Ramon Porto Mota, este drama adolescente metafísico se aproveita de sua atmosfera de estranheza para provocar reflexões sobre a maturidade.
*Filme disponível na Mostra MacaBRo de Horror Brasileiro Contemporâneo, evento com exibições online gratuitas através da plataforma de streaming Darkflix entre 28 de outubro a 23 de novembro de 2020.
O estado da Paraíba é sede de uma das poucas produtoras brasileiras de filmes voltados para o horror e a fantasia. É a Vermelho Profundo e dela saíram, além de muitos curtas, os longas “O Nó do Diabo” e este “A Noite Amarela“, realizado por Ramon Porto Mota. Nesta obra, o diretor projeta suas reflexões sobre maturidade – com texto próprio e de Jhésus Tribuzi – pelas vozes de um grupo de amigos adolescentes na transição para a fase adulta. O diferencial é que no lugar de uma narrativa comum, o diretor brinca com a percepção do tempo e da realidade usando o clima de estranhamento como meio para suas mensagens.
No filme, sete amigos viajam para uma ilha remota para comemorar o fim do Ensino Médio. Lá não há rede de internet nem muitas pessoas. A casa em que dormem pertence à família de uma das meninas do grupo, Mônica (Ana Rita Gurgel), mas os jovens estão sós, relembrando suas experiências recentes e tentando, pelo menos de início, continuar o mesmo clima da fase que começa a terminar.
É notável a preferência de Ramon pela câmera fixa em um quadro aberto, de maneira a capturar sempre que possível a dinâmica do grupo e, principalmente, suas conversas. A posição da câmera ora coloca o espectador ao lado da gangue, ora o distancia, separando áudio da imagem, por exemplo, para acompanhar um dos adolescentes quando este se afasta emocionalmente. É o caso de Karina (Rana Sui), que embarca com os amigos numa espécie de anestesia e não compartilha a mesma vibração. Ela é a primeira a entrar em contato com a suposta influência mística do lugar.
Para a mensagem da narrativa, não interessa ser didático muito menos realista. O tempo muitas vezes é retratado com todos os seus momentos mortos, sem cortes, enquanto os atores contam suas histórias de modo naturalista. Assim, é impossível distinguir se eles estão improvisando ou se estão seguindo suas marcações. Por trás de suas interações há temas íntimos, mas alguns símbolos se repetem nas palavras. Falam de sonhos, da sensação de déjà vu, do diabo e da morte, muitas vezes no sentido de desconhecerem o futuro, o que vem depois.
A elucubração é acompanhada de uma trama metafísica, que se reflete em especial na montagem das transições e eventualmente se entrega ao surreal. Tais decisões de estilo deixam a leitura da história bastante aberta a interpretações e, por preterir um tipo de reflexão mais direta, pode acabar por afastar o amplo público, tornando a obra inalcançável para muitos. O conflito existencial dos jovens demora a se tornar claro e, no caminho, muitas expectativas podem ser criadas na audiência devido aos infelizes clichês do gênero de horror com os quais o filme se relaciona.
Para equilibrar os longos testemunhos recheados de tempos mortos e repetições, a guia sonora é construída com cuidado notável e nunca abandona a atmosfera de horror criada. De certa forma, a mesma história também poderia funcionar (e talvez até melhor) só com seu áudio, sem o detrimento do visual claramente ajustado para favorecer o clima que a direção desejou construir. Afinal, a relação dos jovens com as locações, as fontes de luzes e até o tema recorrente de estátuas e registros de imagens – que de algum modo aprisionam pessoas no tempo – estão lá e são essenciais para a manutenção do tom e de sua desesperançosa escalada final.
No fim das contas, se o horror da ilha é insondável para os personagens, assim pode ser “A Noite Amarela” para muitos espectadores desavisados. Por um lado, é um ótimo feito de controle direcional que sustenta a duração do longa em função de uma mensagem universal: o medo que o desconhecimento sobre a próxima etapa da vida traz. Por outro, a forma narrativa escolhida não atinge facilmente um grande público, que ironicamente talvez sofra do mesmo medo de ter que atravessar o desconhecido sem ter certeza do que vai acontecer, como vai terminar e muito menos se fará sentido no final. É preciso estar aberto para a viagem mental que o filme propõe para poder degustá-lo e, mesmo assim, uma compreensão única não é garantida.