A proposta de uma nova geração de X-Men não alcança o ideal para dar novo fôlego à franquia, mas ainda assim é um filme que tenta ter sua própria cara, apesar do conturbado histórico de produção.
Atenção: este filme é um novo lançamento nos cinemas que já estão reabertos no Brasil. O Rapadura recomenda que todos consultem os protocolos de prevenção contra o coronavírus de seus cinemas favoritos para garantir sua segurança.
Em cinco anos, desde a ideia até seu lançamento, a extensão do universo X-Men “Os Novos Mutantes” sofreu inúmeras influências sobre como o filme deveria ser. Neste período, a companhia responsável Fox foi adquirida pela Disney e a falta de direcionamento claro sobre o que fazer com a franquia gerou regravações e diferentes cortes. É certo então que a obra terminada é um retalho do conceito original assinado pelo diretor de “A Culpa é das Estrelas“, Josh Boone. Ainda assim, a versão final não é tão ruim quanto se esperaria de uma produção tão afetada por decisões executivas.
A história se passa numa instalação hospitalar isolada, controlada pela Dra. Reyes (Alice Braga), após a chegada da adolescente indígena Dani (Blu Hunt). A garota perdeu o pai num misterioso e traumático evento que pode estar relacionado a possíveis poderes mutantes ainda desconhecidos. Completando o enxuto elenco à moda “Clube dos Cinco“, encontram-se no hospital mais quatro jovens em condições semelhantes: Rahne (Maisie Williams), Illyana (Anya Taylor-Joy), Sam (Charlie Heaton) e Roberto (Henry Zaga). Enquanto estes quatro aprendem a controlar seus poderes à medida que lidam com os próprios traumas, o mistério em torno de Dani aviva uma perigosa presença antagônica.
O nome “X-Men” carrega muitas expectativas. Afinal, ao longo de duas décadas os gloriosos mutantes ajudaram a definir o que se entende hoje como filme de super-heróis. E justamente por já haver vinte anos de exploração comercial deste subgênero é que é preciso experimentar novos formatos que mantenham interesse e não esgotem a fórmula. Eis o conceito de Josh Boone: aproveitar a metáfora da descoberta de poderes para criar um drama de maturidade num contexto jovem-adulto e uma estética de terror. De certa forma, o diretor tenta então emular como seria se Wes Craven e John Hughes dirigissem juntos um filme da Marvel. Explica-se assim a dificuldade de posicionar “Os Novos Mutantes” como “filme de super-herói” quando na verdade ele não é como os outros (com exceção do bagunçado último ato que tenta forçar esse template no final).
A mistura de drama adolescente com terror juvenil infelizmente é limitada por um roteiro comedido demais, expositivo, didático e redundante, que parece não confiar na sua audiência. Dani é a personagem “novata” representante do público, que aprende os detalhes da trama pelos ouvidos dela. Os outros quatro jovens formam o espectro “homem agressivo”, “homem sensível”, “mulher agressiva” e “mulher sensível”. Completando o elenco unidimensional, o roteiro não permite que Alice Braga exerça mais nuances que um vilão clássico de James Bond (com direito até à explicação de plano maléfico) – seu antagonismo não é surpresa alguma dada sua atuação.
A boa notícia é que o filme oferece um melhor tratamento para a trama sobrenatural: os jovens começam a ser atacados fisicamente por manifestações dos seus piores pesadelos. Este é o aspecto do terror que Boone tentou trazer para a história e o mistério que constrói é o melhor que o filme possui. Como os personagens carregam traumas não resolvidos, mesmo o mais forte de seus poderes não é suficiente contra algo que os paralisa psicologicamente. Não se trata de nada sanguinolento para garantir uma classificação etária abrangente, mas os medos são boas metáforas para assuntos do mundo real, que envolvem conflitos sexuais, abuso infantil e culpa. Para efeito de comparação, “Os Novos Mutantes” está mais próximo de “A Hora do Pesadelo 3 – Os Guerreiros dos Sonhos” do que tudo que já foi feito anteriormente na franquia “X-Men”. Ponto pela ousadia.
Além das pinceladas inspiradas no horror, o drama adolescente também adiciona uma outra leitura social. A instituição representada pelo hospital e a Dra. Reyes encarcera os jovens sob total supervisão. O poder da também mutante médica cria uma literal bolha repressora que os impede de sair do seu controle. É o velho conflito geracional na forma de “super-heróis”. De certa forma, são pais que oprimem os filhos, que por sua vez então precisam se rebelar para alcançar a independência. Uma ideia simples e exposta de maneira também simplória, apesar do peso da marca Marvel.
Com exceção da maneira que o filme expõe os conflitos internos dos personagens, é difícil encontrar outras fontes de um ingrediente básico: diversão. Quando se insere esses personagens numa proposta maior, que vá levar a futuros filmes, nada apresentado deixa vontade de querer vê-los novamente. Eles mal funcionam como um grupo – o clássico mote “juntos venceremos” passa longe deste roteiro. Ao longo do filme, as variações de tom são perceptíveis, o que é um sintoma comum de problemas entre equipe criativa e executivos, refletindo a conturbada história da produção. E quando o longa finalmente parece engatar um ritmo interessante, vem o desastroso último ato, cuja montagem e correria para encerrar a história compromete os arcos dos heróis.
Se houve alguma pretensão que “Os Novos Mutantes” ajudasse a reiniciar uma nova geração de “X-Men”, talvez seja melhor descartar esse resultado e tentar novamente. Não que não haja pontos interessantes que justifiquem esse longa sozinho, sem tentar atrelá-lo a uma franquia ou sequência de filmes, nem que os mesmos atores/personagens criados não funcionem melhor com outro roteiro. Acontece que esta produção é melhor apreciada sem as expectativas que os filmes de super-heróis trazem. Caso contrário, a percepção de fracasso é ainda maior.