Ainda que seja básica e presa demais às preconcepções do gênero, cinebiografia da cantora e ativista australiana Helen Reddy se salva com atuações competentes e carisma de sua protagonista.
“Eu sou mulher, ouça-me rugir / Em números grandes demais para ignorar / E eu sei muito para voltar atrás / Porque eu já ouvi tudo isso antes / E eu estive lá no chão / Ninguém nunca vai me rebaixar outra vez”. Apesar de não poder ser considerada “artista de uma música só”, a cantora australiana Helen Reddy (1941-2020) ganhou sua fama nos anos 1970 com a canção “I Am Woman”, lançada coincidentemente durante a ascensão do Movimento pela Libertação das Mulheres nos Estados Unidos, onde se radicou. Os versos de abertura inspiraram jovens pelo país e causaram a fúria dos homens que viam na frase “I am woman, hear me roar” uma ameaça ao status quo. É com essa pequena faísca de revolução que a diretora Unjoo Moon e a roteirista Emma Jensen produziram a cinebiografia de Reddy, com o mesmo nome da música.
“I Am Woman” acompanha Reddy (Tilda Cobham-Hervey), que até então era uma mãe sozinha que tinha acabado de sair de seu país natal para tentar a vida como artista nos Estados Unidos, desde sua chegada a Nova York com a filha pequena até a conquista de seu sucesso como cantora, mostrando também seu relacionamento conturbado com o ex-marido Jeff Wald (Evan Peters) e as idas e vindas com a melhor amiga e notória jornalista musical Lilian Roxon (Danielle Macdonald).
O longa concilia as contradições na trajetória de Reddy sem atribuir um juízo de valor. Apesar de ter testemunhado sua música se tornar um hino de libertação das opressões machistas, a cantora não se colocava firmemente como ativista em público mesmo concordando com as pautas do movimento feminista. Além disso, ela também aguentou por 15 anos um casamento por vezes opressor com Wald, que era viciado em cocaína e contraiu dívidas no nome da própria esposa. Moon soube trabalhar as nuances de sua protagonista de forma delicada, e de um jeito que nem todos os filmes já lançados sobre a vida de outras mulheres se propõem a fazer.
Mas o maior pecado de “I Am Woman” é ser uma cinebiografia musical tão presa a fórmulas do próprio gênero que o resultado beira a mediocridade. Tudo segue uma ordem preconcebida sem espaço para modificações ou interferências que poderiam dar qualquer tempero à trama. Alguns momentos icônicos do passado da protagonista são recriados, mas o sentimento de envolvimento que tais cenas normalmente possuem simplesmente não está ali. No fim, apesar de não incomodar, o longa faz com que a jornada de Reddy seja feita de momentos que parecem mais um miado do que um rugido.
O que realmente mantém algum fogo aceso ao longo do filme é o carisma de Cobham-Hervey no papel principal, que se mostra empenhada em emular os traços e maneirismos de Reddy e também em realmente se colocar no lugar da cantora. Ela traz a carga emocional necessária não somente nos momentos de conflito, mas também nos trunfos na vida da artista. Outro destaque é a dinâmica entre a protagonista e Peters e Macdonald, que oferece uma dose de interesse que por vezes é escassa durante a trama.
No fim, “I Am Woman” é uma cinebiografia que poderia ter sido tão grandiosa quanto a música de Helen Reddy se tivesse bebido da mesma fonte de inspiração que “Rocketman”, por exemplo, e não tanto de “Bohemian Rhapsody”. No entanto, a vida desta cantora foi marcante demais para muitas mulheres para não ser representada no cinema pelo menos uma vez.