A famosa casa de filmes de Jason Blum apresenta este misterioso drama psicológico com elementos já venerados e conhecidos de outras produções, mas nem por isso é menos original.
Como resultado de uma parceria entre a Amazon Prime Video e o braço televisivo da produtora de Jason Blum, a Blumhouse Productions, uma série de quatro filmes independentes é lançada em outubro de 2020 na plataforma de streaming. Entre eles, “Caixa Preta“, um drama psicológico com uma história bastante original apesar das influências indiscutíveis. Sim, a Blumhouse é reconhecida por seus filmes de terror, mas quem disse que não há medo, bizarrice e desespero no drama?
Após sofrer um acidente que vitimou sua esposa, Nolan Wright (Mamoudou Athie) precisa recuperar a vida e cuidar sozinho da filha Ava (Amanda Christine). O problema é que sua memória foi afetada e ele não só desconhece as pessoas que o amam, mas possui dificuldade com a rotina, além de não ser mais o mesmo no trabalho. Angustiado pela ausência de lembranças e por ser um risco para a pequena Ava, Nolan se submete a um tratamento experimental da Dra. Brooks (Phylicia Rashad) para resgatar as memórias do subconsciente. A partir daí começa um surpreendente mistério na busca para recuperar sua identidade.
A empatia pelo protagonista surge pela angústia crescente de quem precisa lembrar quem é, mas em especial também pelo carinho que ele recebe da filha e do seu melhor amigo, Gary (Tosin Morohunfola). Todos querem que ele se recupere. Entretanto, quando Nolan enfrenta memórias estranhas de pessoas sem rosto e perigos personificados no subconsciente, se tornam óbvias as inspirações do diretor estreante Emmanuel Osei-Kuffour, que também assinou o roteiro com Wade Allain-Marcus e Stephen Herman.
Primeiro, não se hipnotiza personagens negros os transportando para um limbo de escuridão sem lembrar de “Corra!“, filme que também foi produzido por Jason Blum. Da mesma forma, e sobretudo, não se cria uma história sobre problemas de memória e intervenções no subconsciente sem levar “Amnésia” e “A Origem” como referências. Não é à toa que o nome do protagonista é Nolan e “Caixa Preta” usa elementos como lembretes escritos na pele e máquinas que auxiliam o mergulho na própria mente. O título, em inglês “Black Box“, se refere ao aparato eletrônico criado pela doutora, mas com essa temática que mistura conflitos existenciais e futuro tecnológico é impossível não associar a história ao universo da série antológica “Black Mirror“.
Todas essas referências infelizmente trabalham contra o filme, pois geram expectativas que podem não ser correspondidas. Para começar, apesar do mistério envolvido e que se desenrola ao longo da obra, não se trata de um thriller como Christopher Nolan faria, com toques de ação e paranoia. “Caixa Preta” se posiciona melhor no âmbito do mistério e do drama psicológico. O selo Blumhouse também não ajuda, pois carrega o estigma do terror sobrenatural, mesmo tendo apresentado títulos distintos como “Upgrade” e “O Homem Invisível“. No entanto, o horror ainda está presente na assustadora experiência dissociativa do protagonista e em como ela é representada no mundo do seu subconsciente. A imagem das pessoas sem rosto é próxima de um pesadelo e a criatura que o persegue em sua mente se beneficia do contorcionismo bizarro do ator e dos efeitos de som amplificados, ambos em exagero.
A atuação do elenco de “Caixa Preta” é irregular, com muitas cenas carregadas de emoção e outras nem tanto. Porém o roteiro é suficiente para vender o drama e surpreender com suas viradas. Há três atos muito bem marcados e, mesmo se os desdobramentos possam decepcionar alguns, as mudanças na dinâmica do filme também criam novos conflitos bastante interessantes de acompanhar. A montagem também exerce uma função positiva na construção do quebra-cabeça, mantendo os segredos da história e ao mesmo tempo deixando pistas para o público se satisfazer. Novamente, não é nada complexo como se esperaria de Christopher Nolan, nem tão crítico como faria Jordan Peele, mas traz seu grau de entretenimento.
Outras referências poderão surgir na mente dos espectadores, mas comentá-las aqui seria spoiler. Mesmo sendo uma produção feita para a televisão e sem grande destaque no visual, “Caixa Preta” é um exemplar digno do acervo da Blumhouse, pois carrega traços temáticos e elementos que costumam divertir o público da produtora. Por mais que as peças do quebra-cabeça sejam familiares para cinéfilos, a união delas possui originalidade suficiente para justificar sua existência. Seu tom mais dramático e menos violento também destaca a produção em relação às demais realizadas até o momento e, apesar da distinção, trata-se de um ponto positivo.