No segundo capítulo da trilogia que mudou para sempre o cinema épico de fantasia, Peter Jackson realiza avanços tecnológicos que ditaram rumos na indústria e traz novos bons personagens e um monólogo esperançoso.
Um ano após a estreia de “A Sociedade do Anel”, o segundo filme da trilogia que subiu a barra de épicos de fantasia para patamares quase inalcançáveis chegava aos cinemas. “O Senhor dos Anéis: As Duas Torres” trazia novos personagens para serem adicionados ao impressionante rol do primeiro longa, mais avanços tecnológicos, uma longa e impressionante cena de batalha e uma sensação de fascínio raramente igualada por outras obras da sétima arte.
Peter Jackson, diretor e um dos roteiristas, já abre o filme com uma lufada de adrenalina ao retomar a queda de Gandalf (Ian McKellen, soberbo) do longa anterior e colocar sua grandiosa luta contra o Balrog em tela. Como uma montanha-russa que dispara em alta velocidade ao invés de lentamente subir em seu início, o espectador logo está colado na cadeira e com os olhos arregalados mediante os acontecimentos.
O filme então muda para a dupla de hobbits que precisa alcançar Mordor. Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin) logo percebem que não estão sozinhos, a deixa perfeita para o longa apresentar um elemento que mudou o cinema: Gollum (Andy Serkis). Serkis originalmente havia sido contratado apenas para fazer a voz da criatura dependente do anel, mas Jackson queria uma abordagem mais real, baseada na interpretação física do ator. Esta decisão resultou numa total remodelação do design do personagem, que apareceu de relance no primeiro filme. É nítida a enorme diferença entre o que foi imaginado inicialmente e a criatura renderizada à vida neste longa.
A empresa de efeitos especiais WETA Digital fez uso de um traje de captura de movimentos para que Serkis usasse e, assim, puderam capturar até os gestos mais finos do ator para serem transportados para Gollum. As expressões da criatura são extremamente críveis, fruto de técnicas empregadas para captar até mesmo os movimentos dos músculos faciais de Serkis. Assim, o mundo ganhou uma atuação excelente através de um ser inteiramente digital.
Serkis se dedicou com afinco ao papel, o qual interpretou como um viciado em drogas que desesperadamente precisa da próxima dose. Em inúmeros momentos, foi a criatura não só na sala de captura de movimentos, mas também no set, para que os outros atores tivessem um ponto para onde olhar e alguém a quem reagir com mais naturalidade. A característica voz esganiçada da criatura não possui nenhum efeito de pós-produção, apenas o talento do próprio Serkis, que precisava beber uma bebida especial para manter sua garganta lubrificada e saudável durante o extenuante processo de gravação. O resultado é duradouro e de uma eficiência ímpar. Além da memorável voz, a linguagem corporal do personagem é tão rica que faria Smaug desejá-la para si. Quando seu lado mais nefasto e assassino toma conta, seus ombros são arqueados, quase como um animal preparando o bote; em contrapartida, sua personalidade mais amigável possui postura mais relaxada. É um trabalho tão chamativo e surpreendente que Jackson fez campanha para conseguir uma indicação ao Oscar para Serkis, mas as regras da Academia não permitiam que isso acontecesse, ilustrando a necessidade da premiação se adaptar a novos tempos.
A aventura enfatiza a maldade de Gollum quando contrasta o personagem com o genuíno carinho de Sam. Se Wood soube expressar pesar e sofrimento sem fim, Astin empresta um coração tão gigante a seu personagem que parece transbordar pela tela. Em sua jornada, encontram Faramir (David Wenham), irmão do falecido Boromir (Sean Bean – presente apenas na versão estendida). Dessa forma, seu arco em busca de glória certamente o coloca à prova, e acaba por engrandecê-lo.
Outros personagens novos são Éomer (Karl Urban) e Éowyn (Miranda Otto), da família real do reino de Rohan. Urban pouco está em cena, mas se impõe com uma mistura de raiva contida e decepção. Otto interpreta uma mulher buscando lugar de mais respeito e merecimento em seu lar governado pelo tio, Théoden (Bernard Hill). O rei precisa encarar medo e desesperança com orgulho e honra. É uma interpretação estupenda, onde o ator parece ter toneladas de pressão sobre seus ombros.
Sua trama tem seu ápice na fenomenal batalha do Abismo de Helm, uma enorme fortaleza construída no fundo de um vale ao pé de uma montanha. O impressionante cenário é o anfitrião de 40 minutos de algumas centenas de homens e elfos tentando resistir a 10.000 orcs. Entre coreografias de luta, estratégias de invasão e defesa, efeitos especiais fabulosos que resistem à passagem do tempo e figurinos magníficos, é impossível tirar os olhos da tela e não se maravilhar com o escopo da produção.
A montagem contrasta inteligentemente momentos da batalha física com a luta de Merry (Dominic Monaghan) e Pippin (Billy Boyd) com o ent Barbárvore (voz de John Rhys-Davies, que também interpreta o anão Gimli). Os ents são, resumidamente, árvores vivas e bípedes, que rendem cenas que usam pequenos elementos de humor para pincelar o embate de ideias em que os hobbits tentam convencer as criaturas a se juntarem à guerra contra Sauron. Já Aragorn (Viggo Mortensen) continua a sua jornada de encarar suas inseguranças e assumir seu papel como rei de Gondor. Isso é ilustrado até no seu figurino, pois usa braçadeiras em homenagem ao falecido Boromir, grande responsável por coloca-lo em seu caminho de superação pessoal.
São tantas tramas paralelas que é espantoso que o roteiro dê conta de tudo sem deixar nada arrastado ou apressado, fazendo um ótimo papel de colocar o longa como o capítulo do meio da trilogia. Essas tramas são amarradas com um belíssimo monólogo de Sam, que homenageia não só as jornadas e lutas dos próprios personagens, como também qualquer obra de ficção que exalta seus heróis e inspira outros a não se deixarem abater quando tudo parece perdido e qualquer esforço, inútil. É uma pequena luz de esperança muito necessária em tempos de tirania.
O segundo capítulo da fantástica trilogia é um gigante exemplo de uma adaptação de livro para cinema que, mesmo com várias mudanças, não descaracteriza o cerne da obra original. Com atuações sinceras, visuais embasbacantes, batalhas épicas e um time que transborda amor pela Terra Média, “O Senhor dos Anéis: As Duas Torres” reafirma o lugar desta saga como um valioso marco no cinema de fantasia.