Obra protagonizada por Millie Bobby Brown é uma excelente demonstração de que é possível misturar temas atuais com personagens clássicos.
Sherlock Holmes, criado pelo autor Arthur Conan Doyle, é um personagem que esteve em diversas adaptações nos últimos anos. Duas séries retratam o detetive no mundo atual: “Sherlock”, protagonizado por Benedict Cumberbatch e “Elementary”, que retrata o detetive em Nova York. No cinema, duas produções dirigidas por Guy Ritchie e uma versão mais experiente do protagonista, “Sr. Holmes”. Com tantas propostas, a Netflix precisava buscar um caminho diferente para sair da mesmice. Sob este contexto, surge “Enola Holmes”, a irmã mais nova de Sherlock e Mycroft.
Protagonizada por Millie Bobby Brown, a obra conta a história de Enola, uma adolescente que, ao completar 16 anos, percebe que a sua mãe, Eudoria (Helena Bonham Carter), desapareceu. Com muita experiência em séries, o diretor Harry Bradbeer (da série “Fleabag”) buscou uma abordagem que mantivesse os princípios do universo do personagem, porém, não deixou de implantar uma visão mais ágil, trazendo uma roupagem mais atual na história baseada no livro “Os Mistérios de Enola Holmes – O Caso do Marquês Desaparecido“, de Nancy Springer. Um exemplo da fuga do clássico é a desistência proposital no segundo ato de dividir o filme em capítulos baseados nos planos da jovem.
Logo de início, a personagem já quebra a quarta parede, fazendo com que Enola tenha uma assídua interação com o espectador. A técnica é repetida diversas vezes ao longo do filme, porém, sempre com uma proposta diferente – ora a garota solicita uma ajuda, ora ela apenas dá uma virada de olho rápida ou um suspiro – o que torna o artifício pouco cansativo. Tudo funciona ainda melhor graças ao grande carisma de Millie Bobby Brown, que transmite naturalidade à detetive.
O que no fim das contas se torna repetitivo é a maneira em que são solucionados os pequenos mistérios que a protagonista encontra em sua aventura. O uso de flashbacks sobre os aprendizados entre mãe e filha acabam sendo recorrentes, tornando até a montagem das cenas com aquela sensação de “eu já vi isso antes”. O diretor acerta ao manter o protagonismo com Enola, fazendo com que as poucas aparições de Sherlock (Henry Cavill) e Mycroft (Sam Claflin) ganhem uma importância maior. Ambos parecem muito à vontade com os personagens, interpretando sem deixar de lado a elegância necessária para os famosos irmãos Holmes.
É muito bem executada a maneira em que Jack Thorne (“Extraordinário”) implementa no roteiro o feminismo dentro do contexto em que as mulheres eram tratadas em 1880. Por meio desses dois pontos, é demonstrado em tela a insistência de Eudoria para que sua filha fosse uma mulher independente. Com o sumiço da mãe e a guarda de Mycroft, o irmão mais velho dos Holmes é o responsável por esse lado mais cinzento, que busca “domar” e “moldar” a adolescente para que ela se torne uma dama que se encaixa na sociedade. Com a necessidade de apresentar colagens e jogos de palavras em tela, os efeitos visuais ajudam a deixar tudo mais didático, fazendo com que o espectador entenda o que se passa na cabeça dos personagens para desvendar o mistério.
A figurinista Consolata Boyle (“A Rainha“) utiliza as roupas como uma bússola para a adolescente. Ela escolhe peças diferentes para transgredir costumes, para utilizar como um disfarce e sabe o momento certo de vestir um vestido vitoriano quando quer ser vista como uma pessoa de status. Um exemplo disso é que, mesmo sem ver a irmã mais nova há muitos anos, o primeiro comentário de Mycroft ao vê-la é referente a sua forma de se vestir e de se portar. Assim, Boyle faz uma tabela com Jack Thorne, encaixando as vestimentas dentro do contexto em que a protagonista quer se inserir.
“Enola Holmes” é um filme prazeroso de se ver graças ao conjunto de peças que funcionaram muito bem juntas. O terreno está fértil para acompanharmos novas aventuras da jovem detetive.