Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 08 de setembro de 2020

#StarTrekDay – Jornada nas Estrelas: Generations (1994): Kirk merecia uma despedida mais digna

A maravilhosa proposta de juntar os queridos capitães Kirk e Picard para uma digna passagem de bastão se perde num filme de narrativa apressada e simplória, que rebaixa a qualidade merecida para a despedida de um dos maiores ícones da cultura pop.

Três anos após “Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida” ter chegado às telas em 1991, servindo como despedida para a geração original da série que estreou em 1966, o longa “Jornada nas Estrelas: Generations” surge com a ótima proposta de ser uma ponte entre Kirk (William Shatner) e companhia e a nova geração capitaneada por Jean-Luc Picard (Patrick Stewart). Para conseguir juntar os personagens separados por quase um século, este filme apresenta o Nexus, uma faixa de energia que captura seres e os faz viver num estado atemporal de puro êxtase, mergulhando-os numa ilusão que, conforme explicado por Guinan (Whoopi Goldberg, num papel expositivo que desperdiça seus talentos), é como banhar-se em felicidade.

O longa abre com os clássicos personagens Kirk, Scotty (James Doohan) e Chekov (Walter Koenig), agora aposentados, embarcando na viagem de inauguração da nova Enterprise, que fará uma pequena volta no Sistema Solar. Entretanto, um pedido de socorro logo é recebido e o jovem capitão da vez tem dificuldades em tomar atitudes e lidar com uma nave ainda sem vários equipamentos importantes não instalados. Cabe a Kirk tomar a dianteira da situação, que resulta no resgate de quarenta e sete pessoas, mas também na perda do veterano líder que é sugado pelo vácuo do espaço. Os personagens o tomam como morto, mas fica claro para o espectador que ele foi parar no tal Nexus.

É um início excelente. Além de mostrar o ímpeto de Kirk em liderar e sua preocupação com pessoas em risco, mostra como Guinan veio para o universo de “Star Trek” e apresenta o implacável Soran (Malcom McDowell), que se revela um antagonista inescrupuloso e traumatizado. É uma pena que o resto do roteiro não consiga sustentar o nível. Após a sequência de abertura, o filme avança setenta e oito anos, onde a tripulação oriunda da série “Star Trek: The Next Generation” aparece em cena trazendo o vital elemento narrativo de que o androide Data (Brent Spiner) ativa seu chip de emoção pela primeira vez. Apesar desse fato causar certas boas cenas cômicas (graças a Spiner), o texto nunca aprofunda as discussões intrigantes que a incessante busca do personagem em se tornar humano costuma trazer, resumindo-se a pequenos momentos de humor.

A grande questão filosófica da vez, conforme as obras dessa saga costumam apresentar, é a escolha entre realidade e felicidade. Às suas maneiras, tanto Kirk quanto Picard precisam lidar com essa escolha, com o peso de seus deveres como capitães influenciando nas suas decisões morais. Infelizmente, esse debate é tão curto e apressado que fica apenas conveniente narrativamente e não leva nenhum espectador a qualquer tipo de autoanálise. O Nexus, estopim da discussão, serve apenas como desculpa para que os dois amados líderes contracenem, o que gera alguns momentos verdadeiramente especiais, como Kirk dizendo a Picard “quem sou eu para contradizer o capitão da Enterprise?”. No entanto, não consegue evitar o amargo gosto de que deveria ter sido mais grandioso. A despedida de um personagem tão significativo como Kirk merecia mais pompa e qualidade.

A direção é de David Carson, que já havia dirigido alguns episódios de “The Next Generation”, e isso parece ter transparecido demais. O longa parece um episódio comprido, e não um novo e grandioso evento feito para as grandes telas de cinema. Dessa forma, não é convidativo nem receptivo para quem não é grande conhecedor deste universo. Há bons momentos aqui que até remetem a uma linguagem western, mas parece ser apenas um easter egg e não algo de real impacto na trama.

“Jornada nas Estrelas: Generations” se propôs a muito e ficou aquém do esperado. O encontro entre os dois famosos capitães da Enterprise é extremamente anticlimático e o fim de Kirk não possui um décimo do respeito que tal ícone merecia. Havia uma “maldição” de que os filmes ímpares da franquia eram sempre ruins (quebrada da pior maneira quando o décimo filme, “Nêmesis”, também foi abaixo das expectativas), mas este, sendo o sétimo, definitivamente estava sob o efeito desse feitiço.

Bruno Passos
@passosnerds

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