Filme abraça sua proposta boba e brinca com absurdos de viagem no tempo e seres celestiais com dois protagonistas com pouco cérebro, mas muito coração.
O que dizer sobre um filme que é praticamente uma comédia besteirol sobre história e rock n’ roll? A franquia “Bill & Ted” traz dois protagonistas avoados que conseguem acesso a uma tecnologia de viagem no tempo futurística e, assim, usa das mais estapafúrdias desculpas para visitar eras variadas e personalidades importantes da história do planeta Terra. Em “Bill & Ted: Dois Loucos no Tempo”, os adoráveis e bobocas protagonistas precisam, bem, salvar o mundo com sua música.
É uma premissa absurda que encaixa perfeitamente com a proposta do filme. Por meio da genuína (e cativante) palermice de Bill (Alex Winter) e Ted (Keanu Reeves), o longa ganha vida conforme eles embarcam numa jornada que, nesta sequência, passa não só por tempo e espaço, mas também por mundos celestiais. Sim, eles vão para o céu e para o inferno, vítimas do assassinato cometido por seus sósias androides vindos do futuro, criados com tamanha perfeição para se passarem pela dupla que irritam seu criador e vilão principal da obra, De Nomolos (cujo nome é apenas o do roteirista Ed Solomon do contrário, ilustrando o quanto nunca se tentou fazer um longa sério).
O que irrita tanto este vilão? Por que ele precisa invadir a Universidade Bill & Ted (onde alunos usam a tecnologia de viagem no tempo para encontrar com, por exemplo, Thomas Edison e Beethoven) no ano de 2691? A resposta é irrelevante, servindo apenas para que Winter e Reeves desafiem a morte, literalmente, para poderem salvar a si mesmos e o mundo.
Aliás, o desafio à Morte (com M maiúsculo, pois ela é uma personagem ativa) é uma das sequências mais geniais de toda a franquia. No clássico “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, um cavaleiro joga xadrez com a Morte pela sua alma, “Dois Loucos no Tempo” pega essa premissa e coloca a dupla desafiando a figura encapuzada para uma partida de… Batalha Naval. O resultado do jogo e a reação subsequente da dona da foice arranca gostosas e genuínas gargalhadas, que muito se devem à ótima presença de William Sadler em tela, equilibrando a sisudez da personagem com o humor que a obra pede. O ator começa com reações de total indignação e vergonha e, aos poucos, vai sendo conquistado pelos amigos, e cada uma de suas respostas é um deleite cômico.
Apesar de ser um filme taxado por muitos como “apenas bobo”, há aspectos técnicos dignos de nota, como os cenários do Céu e do Inferno – este último, inclusive, propõe uma ideia que assustaria de verdade em qualquer outra obra mais sombria. Aliás, quando a dupla cai para o submundo (numa ótima piada sobre o tamanho da queda), um dos primeiros comentários sobre o visual da casa de Lúcifer é “As capas dos nossos álbuns totalmente mentiram pra gente, cara.” É uma obra desprovida de complexidade, sem dúvida, mas acerta em cheio no que se propõe a fazer, afinal, quem mais recitaria uma música do Poison para o Criador?
Se tudo parece muito divertidamente absurdo, ainda há namoradas do século XV e cientistas alienígenas. É uma obra bastante fantasiosa e imaginativa, sem medo de ser escancarada com sua comédia sem nunca precisar apelar para escatologia barata. Uma das maiores marcas da dupla é tocar air guitar (fingir que estão tocando guitarras, fazendo os movimentos com as mãos), o gesto acontece em momentos em que pessoas normais reagiriam com palavras como “legal”, “massa” ou “que louco!”, mas aqui o instrumento imaginário vem com o efeito sonoro de um real, o que imprime humor, metalinguagem e identidade às cenas. E ainda rende outra piada genial quando o pai de um deles imita o gesto e o som ouvido é de um violão.
O clímax é concluído com o artifício de viagem no tempo sendo usado de uma forma tão esdrúxula que beira o genial, e que encaixa como uma luva para encerrar um filme engraçado, extravagante, amalucado e, veja só, esperançoso. O rock pode mudar o mundo, e “Bill & Ted: Dois Loucos no Tempo” oferece uma amostra invejável e bobalhona da utopia que a música de dois idiotas de coração puro pode trazer.