Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 29 de agosto de 2020

Possessão – O Último Estágio (2019): assustadoramente ruim

Genérico e trazendo péssimas atuações, o terror tem uma interessante mensagem a transmitir, mas acaba sabotado por sua própria falta de ambição.

Assombrado pela recente morte de sua esposa, o humilde Joel Clarke (Robert Kazinsky) tenta levar uma pacata vida ao lado do filho, Mason (Caden Dragomer). Trabalhando como mecânico durante a maior parte do tempo, ele deixa o menino aos cuidados da babá Cassie (Hannah Ward) e batalha para ficar mais perto do pequeno, forçado a lidar com problemas financeiros e abalos emocionais. Tudo piora quando o garoto começa a apresentar comportamentos fora do comum, levantando suspeitas de que uma terrível força sobrenatural possa estar à espreita. Temendo por sua saúde mental, o pai protetor resolve então pedir a ajuda do conhecido padre Lambert (Peter Jason), um representante religioso com um infame passado que encontra no caso uma possível chance de redenção. Resgatando diferentes clichês do terror, é essa a trama do esquecível “Possessão – O Último Estágio“, filme dirigido pelo estreante Pearry Reginald Teo que fracassa ao não conseguir administrar uma interessante ambiguidade.

Evitando flertar com completas injustiças, é justo reconhecer as perceptíveis intenções do longa em emular uma atmosfera assustadora. Seja através de movimentos de câmera bem conduzidos, por meio de uma fotografia cinzenta e levemente inquietante, ou mesmo a partir de uma satisfatória ambientação. O roteiro apresenta comentários potencialmente interessantes, mas é uma infelicidade perceber, entretanto, que nada consegue resgatar a obra do péssimo desenvolvimento de sua narrativa e da patética construção de suas personagens, igualmente prejudicadas pelas baixíssimas performances do elenco como um todo.

Escrita pelo próprio diretor, a obra se propõe a traçar curiosos paralelos entre determinadas doenças mentais e as aparentes manifestações malignas. Optando por uma abordagem não inédita – mas que ainda assim poderia fornecer bons frutos, conforme demonstram clássicos do gênero como “O Bebê de Rosemary” e “O Iluminado” -, o roteiro busca assim a manutenção de uma perturbadora dúvida para atingir o público, forçando-o a se dividir entre eventuais loucuras por parte de Joel ou explicações que estão além da compreensão humana. Dessa forma, encontra a chance de estabelecer um interessante discurso sobre o estigma construído acerca dos portadores de distúrbios como esquizofrenia ou ainda bem-vindos comentários sobre a importância da fé. Na construção dessas mensagens, todavia, acaba adotando os caminhos mais preguiçosos à disposição. Exemplos disso são os efeitos de distorção de imagem – usados exaustivamente para sugerir delírios nos mal atuados surtos de Robert Kazinsky – e os repetitivos diálogos expositivos, recursos didáticos que ofendem a inteligência do espectador e denunciam uma grande insegurança por parte da direção.

Não suficiente, são também questionáveis as escolhas criativas relacionadas à representação das criaturas em tela – decisões que desafiam não só o humilde orçamento do projeto como também a descrença por parte de quem assiste – além do extremo abuso de artifícios como jump-scares, escolhas que minimizam a tensão construída e contribuem para o afastamento da atenção da plateia. Em relação a essa última, vale destacar ainda a enorme dificuldade de identificação com qualquer uma das personagens centrais, arquétipos destituídos de aberturas para evolução. Não bastasse a presença de um limitado protagonista – sendo Joel reduzido ao caricato pai disposto a fazer o impossível pelo filho -, quem melhor exemplifica tal aspecto é o religioso Lambert, figura responsável unicamente pela transmissão de discursos de motivação moral e das regras do processo de exorcismo. Além de constantemente reforçadas, essas regras vão se alterando conforme o filme necessita.

Extremamente genérico e sempre adotando as saídas mais convenientes, “Possessão – O Último Estágio” é um esquecível exemplar do gênero do terror que desperdiça interessantes comentários sobre distúrbios mentais e a perda da fé. Portador de um insuportável didatismo, o longa apresenta uma premissa familiar e com diferenciais suficientemente interessantes. Entretanto, desperdiça esses últimos em nome de convenções cansativas e de um desenvolvimento limitado. Com um roteiro raso e caricatas atuações, o projeto entra assim para o panteão dos filmes de horror que só conseguem assustar por terem uma péssima qualidade.

Davi Galantier Krasilchik
@davikrasilchik

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